terça-feira, novembro 29, 2011

Contra Sr. e Sra.Smith: pelo casamento vanguardista.


Casamento é o vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação arquetípica é a coabitação, embora possa ser visto por muitos como um contrato.


  Outro dia chegou aqui em casa um convite de casamento, bonito e com letras invejáveis, para o seguinte destinatário: Sr. João da Silva e Sra. (nomes ficticios,ok? mas estava o nome do meu pai e sra.) Bom, sra., eu suponho, é a minha mãe. O que isso quer dizer? Para o Sr. João da Silva e sua senhora? No estilo das novelas de época? Ou, o que de fato dá na mesma, Sr. e Sra. João da Silva? Até onde eu saiba o nome da minha mãe não é João da Silva.
   Okay, podem me dizer que sou uma chata e que teimo com qualquer coisa, que o mundo é assim, ninguém mandou casar e colocar o sobrenome do marido, mas poxa... um pouco de avant-gardismo, por favor! Estamos no século XXI e, por mais que o casamento pareça uma instituição um pouco retrógrada, depende de como nos relacionamos com ela. Minha mãe tem nome, e, se fosse comigo, eu devolveria o convite, dizendo que lá não tem nenhuma Sra. João da Silva, ou fazia meu pai ir sozinho à festa, mas ele não tem culpa, afinal. Em que momento um mulher que se casa perde seu nome e vira Sra. Nome do Marido? Pode parecer uma besteira, mas por trás de um pensamento tão bem espalhado pela sociedade se encontra uma ideia muito perigosa: a anulação da mulher.
   No Facebook, alguns estão postando uma campanha contra mulher mercenária, que não quer trabalhar e nem estudar e vai procurar marido rico. Falar mal de tal situação é tão problemático quanto dizer que os alunos da USP são filhinhos de papai porque não precisam trabalhar. Ninguém sequestrou um cara, ameaçou a família dele para ele casar com uma mulher que não trabalha, ele casou e casam-se até hoje porque os dois querem e sabem que assim será. E por que ninguém questiona e faz campanha contra homens que se casam para ter uma segunda mãe, para não ter que cozinhar, lavar e passar e cuidar de si mesmos? Nenhuma mulher foi obrigada a casar com homens assim, e ainda se casam, como falei anteriormente. Mas parece bem mais engraçado fazer piada com mulher, não é?
   O problema não é o casamento em si, mas as interpretações que se fazem dele. O casamento vem impregnado por grande machismo em nossa sociedade. Coisa horrorosa é aquela camiseta com um noivo e uma noiva e a frase Game Over, qual game, meu bem? Você mal sabe que talvez esse seja o chefão, para você chegar nesse ponto tem que passar de fase muitas vezes, e aí sim pode ser um fechar do jogo se você vencer o chefão, o desafio de uma vida a dois.
   Ao mesmo tempo que a tradição do preconceito e da estrutura patriarcal da sociedade persistem, aumentam o número de pessoas que não se casam e que não desejam se casar. Em parte porque acreditam ser o Game Over das múltiplas possibilidades do amor livre, achando-se muito progressistas eles só fazem reafirmar a tradição, sem subverter em nada a instituição do casamento. Em parte porque acreditam que não vale a pena o esforço de ceder a diversos desejos e sonhos em nome de uma união duradoura, esse é o fim da crença no amor, o fim do romantismo em seu ideal, fruto, muitas vezes, do egoísmo e ego-centrismo com o qual somos educados, da intolerância e impaciência para a discussão visando ao acordo. Há ainda aqueles que defendem que a causa homossexual está equivocada em lutar pelo casamento gay, pois esta é uma instituição falida de uma sociedade preconceituosa com a qual não se deve compactuar, esse motivo também mereceria um post, mas além de ignorar a liberdade que é o real motivo da luta, a liberdade de escolher se casar ou não, esse argumento ainda ignora o poder de mudança que há na assimilação do casamento gay pela sociedade.
   Mesmo que tomemos o casamento unicamente como uma instituição patriarcal, capitalista, que visa a manutenção da propriedade privada (ver o brilhante texto de Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado), não consigo acreditar que se, abolido, não surgiriam duplas de pessoas que se unem por laços de sentimentos e que coabitam, designadas assim por outra nomenclatura. Por mais revolucionário que se seja, não posso acreditar no fim do amor ou qualquer outro nome que se possa dar a um sentimento que impele duas pessoas a se unirem.
    A tradição, os costumes que passam de gerações para gerações não precisam ser anulados. Carecemos sim, e é isso que quero dizer, de uma penetração de determinados avanços em esferas ainda fechadas. O casamento não desaparece quando livre para casais homossexuais, não desaparece quando duas pessoas mantem seus nomes, e cada um seu Facebook, vale lembrar. O casamento não desaperece quando os dois trabalham, nem quando o homem fica em casa e a mulher trabalha, nem quando os dois ganham na Mega-Sena e não precisam mais trabalhar. O casamento não desaparece quando é ele o mais importante da festa e não ela, quando desejamos parabéns aos dois ou boa sorte a ela (ah, só para dizer a quem não sabe que existe uma tradição, e uma etiqueta!, de dizer parabéns à noiva e boa sorte ao noivo), assim como não desaparece se o casal não tem filhos.
   O casamento, também ele, está precisando de uma revolução copernicana. O Sol continua existindo mesmo depois que passamos a entender que é a Terra que gira em torno dele e não vice-versa. Como um dia paramos para nos perguntar o que é a arte, abandonando a busca pelo belo, quem sabe é hora de nos perguntarmos: o que é o casamento?

sexta-feira, novembro 11, 2011

USP



Bom, no dia de hoje, nas últimas semanas, basta escrever USP no título para todos saberem do que se tratará a seguir. E eu nem sei direito por onde começar, mesmo que tenha tido bastante tempo para pensar sobre os últimos acontecimentos. Acho que vou começar então por criticar exatamente meu início de texto, porque aí já reside um dos problemas da crise. Agora seja na internet, seja na televisão, seja nos jornais impressos, todo mundo quer falar sobre a USP, todo mundo quer dar opinião, dizem que a universidade se mantém com dinheiro de todos, mas... espera aí, e até então, a USP se mantinha com o dinheiro de quem? E quem estava interessado em saber o que estava acontecendo lá dentro, como é a vida e o cotidiano dentro da universidade?
Como brincou o José Simão, o pessoal só leva o cachorro para passear na Cidade Universitária, usa como atalho do P3 ao P1 e vice-versa, vai para lá fazer uma sessão diferente da academia... Mas ninguém nunca esteve nem aí para o fato de eu e muitos outros milhares de estudantes estarmos lá estudando com o dinheiro público, não é? E todo mundo quer dar pitaco justo agora, e dizer que lá só tem filhinho-de-papai, que os pais não sabem educar etc etc etc!
Toda a história que deu no que deu o mesmo pessoal que está falando pelos cotovelos nas redes sociais e por aí nem sabe de onde começou. O que a televisão diz (e não vamos só avacalhar a Globo, a Record e o SBT também prestaram seus desfavores, que eu tenha visto)? Aluno da USP morto no campus (caso que ainda não deu em nada, mas todo mundo se comoveu, diferente do descaso quando o aluno da filosofia que morreu do nada no meio da Cidade Universitária por falta de socorro), três estudantes presos por fumarem maconha no campus, estudantes se rebelam contra presença da USP no campus, LOGO, os alunos reivindicam o direito de fumar maconha livremente. Uhu! Falta mesmo aula de lógica e de ética e de muitas outras coisas, mas a Veja acha que filosofia no ensino médio é só para doutrinar criancinhas para o socialismo... Já misturo coisas, mas não é em vão.
Vamos lá, eu, estudante da USP há sete anos, não sou a favor da greve e nem da ocupação da reitoria, e sou totalmente contra o convênio com a Polícia Militar. Não tenho vergonha de nada disso, pois tenho argumentos para minhas posições, quem dera quem não tivesse argumento tivesse vergonha de vir a público declarar rótulos sem fundamento e palavras de ordem violentas, mas enfim, não se pode esperar mesmo que o bom senso seja a coisa mais bem distribuída no planeta. A greve esvazia a USP e não gera um espaço e tempo para o debate como muitos acreditam, pessoas como eu, que moram a 20, 30km da Cidade Universitária deixarão de pagar a condução para ir para a faculdade e não ter aula, ainda mais no fim do semestre, quando muitos (sim, nós estudamos) estão preocupados em colocar suas leituras em dia. A ocupação foi feita à revelia da decisão de uma assembleia e eu ainda acredito que a assembleia represente os estudantes na universidade, por isso quando a assembleia do meu curso resolveu pela greve eu não vou furar a greve, quem é contra a greve que aparecesse na assembléia para votar uai.
A PM não traz tranquilidade a ninguém, quisesse melhorar a segurança no campus, contratasse mais pessoas para a guarda universitária, mas não, insiste-se na terceirização da segurança “patrimonial” das faculdades e a guarda está cada vez menor e despreparada. Esqueceram que a USP é uma autarquia, que tem independência frente ao governo, e que a PM representa sim um governo, mais do que isso, o reitor resolveu colocar entre os alunos, professores e funcionários aqueles que, para todo mundo que compareceu em boas aulas de história, não deixaram boas lembranças nos anais uspianos. Aí, para melhorar a situação, por conta de um errinho-besta-que-é-isso, o Golpe de 64 vira Revolução de 64. Esse reitor que nem escolhido pela universidade foi, que devia ficar na dele, bem quietinho, ter vergonha da forma como foi parar por lá e por ter sido considerado persona non grata pela própria faculdade de origem, saiu-se melhor que a encomenda de Serra e Alckmin.
Mas ninguém quer falar de toda essa bola de neve que vinha descendo ladeira a baixo ganhando sempre mais velocidade, não, ninguém queria saber como estava a tão famosa Universidade de São Paulo sob o reitorado do Sr. Rodas e após o convênio com a PM. Mas aí quando uma situação permite que se diga CHEGA a tudo isso, ah, aí é o bafão do mês. Vai estar na Retrospectiva 2011. O que aconteceu com os três que estavam fumando maconha no estacionamento da FFLCH foi apenas um mote, um momento propício para que todos mostrassem sua indignação frente à presença da PM, frente ao reitor Rodas. Vamos lá, quantas vezes você viu alguém sendo preso por fumar maconha? Eu nunca vi, e se fuma maconha por aí numa boa, mente quem diz que não, fuma-se na porta do Mackenzie, em pleno bairro do pessoal diferenciado, ao redor das estações de metrô, não estou dizendo que sou a favor da maconha nem que fumo, que se danem tais considerações, o ponto é, a ação da PM, por comparação, foi desmedida. Até aí, para mim, foi uma coisa.
A coisa começou a ficar ruim mesmo e mais grave mesmo quando da reintegração de posse da reitoria. Em sete anos não foi a primeira nem a segunda ocupação de reitoria que eu vi, mas foi a primeira vez que vi tamanho circo. Esperasse a próxima assembleia já agendada e os caras que entraram lá contra a assembleia de lá sairiam numa boa, se até a meio-maria-mole-molenga da Suely Vilela conseguiu uma saída razoável da reitoria, o Sr. Grandino precisava mesmo de todo aquele aparato policial? Aí a desmedida e o exagero se mostraram gritantes o suficiente para que eu não pudesse mais assistir a tudo calada. Por isso fui à assembleia do curso de filosofia, fui ao ato de hoje no centro da cidade, que não foi sequer mencionado pelo formador-de-certa-opinião Jornal Nacional. Quanto aos fatos e comentários a eles, paro por aqui.
A questão que também deve ser posta é: e o outro lado? Como tem sido o lado dos estudantes? O Antonio Prata teve razão em seu texto de 09/11/2011 na Folha de S.Paulo ao chamar a atenção ao exagero de um grupo de estudantes quando fazem reivindicações, concordo plenamente. E é esse exagero que torna os estudantes hoje tão distantes da sociedade. Temos que parar e pensar por que a sociedade que nos financia está tão distante de nós, por que temos contra nós tamanha violência, expressa, por exemplo, nas mídias sociais. Que a população converse na rua sobre o que acontece na USP, na maioria das vezes, nos avacalhando, é sintomático. Por isso também quis fazer parte de um ato no centro, onde muitas pessoas trabalham e tomam condução, para ter ali uma oportunidade de diálogo, de mostrar que nossa demanda não é por maconha.
As pessoas do prédio, os ex-colegas de trabalho (sim, sou aluna da USP e trabalho, tempo para o sonoro OH!), minhas avós, poxa, quase todos estão falando dos alunos da USP coisas muito distantes da realidade. Os rótulos vão de filhinhos de papai que não precisam trabalhar a maconheiros e vagabundos. Convenhamos que o fato de alguém ter dinheiro para não precisar trabalhar durante a faculdade não diminui em nada sua verdade política, né? E se a Fuvest é o vestibular mais concorrido do país e a USP a segunda melhor universidade da América Latina não pode ser porque sua comunidade é formada apenas por vagabundos e maconheiros. Que haja baderneiros, vândalos, extremistas, vá lá, a USP não é separada do resto do mundo, é parte da sociedade como é no clube, na torcida de um time, num grupo escoteiro, tem de tudo um pouco, ou muito, mas tem de tudo, não dá para generalizar.
Por que no Brasil não se pode pensar que a classe dos estudantes é privilegiada nas lutas sociais justamente por ter menos obrigações sociais? Onde foi que se perdeu a compreensão de que a juventude, justamente por não ter de lidar com casamento, filhos, trabalho e responsabilidades outras, pode ser um movimento que auxilie, por exemplo, a luta dos trabalhadores, dos sem-terra, das feministas, dos homossexuais? O fato de uma pessoa ter tempo para numa quinta a tarde poder sair as ruas gritando contra a violência, contra o aumento da condução etc não devia ser visto com maus olhos, e muitos países já entenderam isso há anos, para o bem ou para o mal. Um jovem estar usando moleton da GAP, primeiro, não quer dizer que ele tem dinheiro, pois no camelô da esquina de casa vende um igual àquele, segundo, não deve desautorizar sua demanda. Na realidade muito do que se faz no Brasil vem de mandos e desmandos de pessoas que nem eu nem você elegemos e que tem muito dinheiro, mas ninguém reclama.