domingo, dezembro 22, 2013

Azul é uma cor quente

Quadro da HQ "Le bleu est une couleur chaude", de Julie Maroh
     É sempre um erro comparar um filme com o livro no qual ele é baseado esperando que a versão para o cinema seja tão boa quanto a obra literária ou que seja extremamente fiel a ela.
     Não tem como fugir da frustração que acomete quem vê um filme já tendo lido o livro. O cinema e a literatura nos levam a sonhos muito diferentes.
     Eu já tinha lido os três primeiros livros de Harry Potter quando ele foi adaptado ao cinema. Eu tinha o meu Harry Potter, magricela, de óculos e talz, e que se parecia um pouco com o desenho simples da capa do livro. Desde o primeiro filme, meu Harry se transformou em Daniel Radcliffe e os livros não eram mais habitados por aquele garoto único da minha imaginação, mas pelo ator do cinema, que ia crescendo comigo.
     É sempre assim. E quando o caminho é o contrário, é inevitável imaginar os personagens do livro como os atores da adaptação que você já viu e, assim, algo se perde. Então, quando fui ler "Anotações sobre um Escândalo" de Zoë Heller, é óbvio que enquanto lia, ganhavam vida numa história um pouco diferente Cate Blanchett e Judi Dench como Sheba e Barbara, que tinha muito mais sarcasmo no livro do que ganhou no cinema.
     E foi assim também com "Gabriela Cravo e Canela", que era a Juliana Paes que via na TV à noite. Se tivesse lido antes, teria sido, talvez, Sonia Braga.
Clémentine está obcecada pela garota de cabelo azul
     E eis que mesmo ciente disso tudo, de toda essa introdução, resolvi comentar o filme "Azul é a Cor Mais Quente" à luz da história em quadrinhos que o inspirou, de Julie Maroh.
     De certa forma, me arrependo de ter lido a HQ antes de ver o filme. Fiquei muito frustrada por ver que no cinema a história perdeu uma coisa muito importante: seu início triste. (Spoiler a partir daqui.)
     O pano de fundo da HQ, ou seu sentimento geral, é o luto. No começo da história Clémentine, ou Adèle no filme, já está morta. Emma, que é sua companheira, vai à casa dos pais de Clémentine para ler seus diários e a história se desenrola a partir desses relatos de uma garota que já morreu.
     Essa morte sequer existe no filme, que se transforma na história de uma outra perda: Adèle perde Emma com o fim do relacionamento. O filme é a história, assim como a HQ, de um encontro e de um fim, mas esses fins são muito diferentes e geram sofrimentos muito distintos.
     Além disso, que já é muito, há um sequência que o filme excluiu e que diz muito sobre a personagem principal: a de quando os pais de Clémentine-Adèle descobrem que a filha está "saindo" com uma mulher. Não sei se foi cortada do filme, mas tenho essa impressão, porque Adéle vai morar com Emma do nada, não sabemos o motivo e de repente lá está ela. Na HQ ela é expulsa de casa por estar em um relacionamento lésbico. Kechiche tirou isso mas fez questão de marcar a diferença social e intelectual entre os pais de Emma (bobôs) e os de Adèle (classe média conservadora que acha que uma mulher artista plástica tem que casar com homem rico para sobreviver). Cabe ao espectador apenas prever o motivo de sua saída de casa, baseado no comportamento dos pais em um jantar.
     É claro que não dá para ser fiel a um livro em um filme de duas horas. Porém, "Azul" é uma HQ e curta, passível de ser vertida ao cinema como "Persépolis", e virou um filme de três horas. E aí está Kechiche, o diretor do filme e Ghalia Lacroix, responsáveis pela adaptação do roteiro. Eles partiram de um quadrinho e fizeram cinema, dos grandes.
     "Azul", o filme (A Vida de Adèle no original), tem uma ambientação que em nada lembra o luto da HQ, ao contrário, ele é pura luz. A naturalidade sem maquiagem e de cabelo bagunçado de Adèle Exarchopoulos (a dentucinha, pronto falei) e da Léa Seydoux (eterna bela Junie) ajudam a construir uma narrativa realista (o Adèle do título, nome da atriz na vida real, já antecipa isso) de câmera próxima, invasiva e na qual as cenas de sexo aparecem como perfeitamente plausíveis e necessárias no enredo.
     No mais, sobre as polêmicas, para quem disse por aí, ao redor do mundo, "ah, mas não é assim que as lésbicas transam", só digo isso: ALTO LÁ! Baby, como você sabe como as lésbicas todas transam? Já pegou todas? Quando se trata de sexo, cada um faz do jeito que quiser. Eu também nunca fiz daquele jeito, mas nada daquilo é impossível de se fazer (aliás, bem mais fácil que muita coisa do kama sutra), e negar essa possibilidade também tolher a liberdade das pessoas. Agora toda lésbica tem que trepar igual?
     Outra: tem gente dizendo por aí que o grande mérito do filme é contar uma história universal, uma história de um relacionamento que poderia ser hetero ou gay, tanto faz. As histórias de sertão de Graciliano Ramos e de Guimarães Rosa ultrapassam aquele ambiente e são universais. Bergman fala a todos, não só aos suecos. Arte é assim gente, se faz entender e toca universalmente. Mas dizer que o grande mérito do filme é ele poder também ter funcionado se fosse uma história de um casal heterossexual é negar sua especificidade. Não é muito longe de dizer que uma mulher exerce bem sua função em dado escritório porque trabalha como um homem. É também preconceito.
     Esse é um filme gay. É um filme sobre uma adolescente que se descobre com um desejo enorme, que ela não consegue conter, por uma mulher. Nisso a cena em que Adèle sonha com Emma (de quem ela ainda não sabe o nome) acariciando-a sexualmente e acorda suada é exemplar. É uma cena extremamente gráfica e linda e tocante na HQ (acima) e que Kechiche conseguiu transportar para o cinema cheia de tensão e tesão.
     Diferente de muitos dos filmes sobre jovens casais de mulheres, aqui não é uma amizade que se transforma em sexo, porque garotas têm relações próximas que às vezes se confundem com preferência sexual mas que depois se revela apenas uma fase, como em "Meu Amor de Verão", com a Emily Blunt. "Azul" é a história de uma paixão extremamente física que se acende em um mero olhar na rua, é desejo, é sexo e também será amor. Após anos separadas, Adèle encontra Emma e tenta desesperadamente tocá-la. Aquilo que viveram não foi uma fase. É amor. É fogo e paixão.

Emma e Adèle no filme "Azul é a Cor Mais Quente"


domingo, dezembro 15, 2013

Naquele espaço do metrô


Caramba, por que as pessoas não entram e vão para o corredor? Mas que merda! Pô, já são 7h, vou chegar atrasado, e tudo por causa desse metrô que não anda, que para demais entre as estações. Estamos operando com velocidade reduzida e maior tempo de parada. Para variar! Ai, a única vantagem de morar em Itaquera é mesmo poder ir sentadinha aqui no cantinho. Nossa, onde vai essa fulana com essa roupa a essa hora? Tem gente que não se enxerga mesmo. Hummm, vou fechar meu olho aqui, apertar a mochila e que se foda os velhinhos, se são aposentado, por que raios vão pegar o metrô às 7 da manhã? Fica em casa, pega metrô mais tarde. Vai onde? Aposto que vai até o centro só pra receber a aposentadoria. O banco só abre às 10! Ai, ai ai, esse cara tá cuma bengala. Mas por que esse homem não sai do banco preferencial? Sentou e em dois minutos já estava dormindo, tá é fingindo. Não tô no preferencial mesmo, ele que se toque, ou a grávida que levante. Ela só tá grávida. Ufa, ninguém levantou para mim. Aquela gostosa ali sentada no canto ficou me olhando, certeza que tava pensando se ia levantar ou não, depois que essas merda de cabelo branco me apareceram não sei mais se as mina estão me olhando porque sou bonito, cheiroso, bem vestido, ou é porque vão levantar para me dar lugar! Mas que bosta, segura a mochila na frente, fica balançando esse trambolho pra lá e pra cá no ritmo da música que não sei pra que usa fone se dá pra todo mundo ouvir e fica tacando essa bosta em mim, espaçoso, eu aqui toda espremida e ele com essa bolsa enorme no meio do corredor. Bem feito, bem feito mesmo pra essa mina toda apressada. Correu correu e acabou no mesmo trem que eu. Essa gente acha que tá onde? Vai passando e gritando pra gente dar licença. quer o que? Se todo mundo ficasse só na direita da escada rolante teria que ter uma escada a mais pra caber todo mundo, por que ela não pega a escada normal então? Se fodeu, me empurrou e tá na mesma que eu. Aposto que nunca pega o metrô e resolveu ir hoje porque o carro quebrou. Que gente escrota, analfabeta. Sabe ler não? Tá escrito deixe a esquerda livre, e todo mundo fica ali parado. Dizem que São Paulo só tem gente com pressa, que só pensa em trabalhar, mas tá todo mundo passeando, andando na maior lerdêra, parado na escada rolante, andando igual minhoca, e quando para na Sé fica todo mundo paradão e deixa pra descer quando o sinal apita, aí reclama que fica preso na porta e sai empurrando todo mundo.

sábado, novembro 30, 2013

Verdade ou Desafio


    Quando criança, era "tendência" nas escolas -muito antes do tablet e do Facebook- o caderno de enquete. Quem se lembra das perguntas mais esdrúxulas o possível que estavam ali? Começava na pergunta 1 e por vezes ia até a 100, ou além. Do seu nome e idade até o que você levaria a uma ilha deserta, passando por música favorita, comida preferida, e nome dos irmãos. 

     Quanto mais velha a criançada, mais íntimas as perguntas, como "qual o menino mais bonito da turma" ou "onde foi seu primeiro beijo", ou, ainda: "você é BV?". Uma bala para a criança de 12 anos que sabe o que quer dizer essa sigla! 
   
     Não sei o que era mais legal e divertido: montar o caderno, pensando nas perguntas, ou responder o caderno de um(a) colega, vendo as respostas do outros para depois fofocar no dia seguinte com os amigos. "Você viu o que Fulano respondeu?", "Uau, Sicrana gosta mais do Five do que dos Backstreet, nada a ver!"

       Hoje em dia, a antiga criançada, agora nos pós-25, faz o que pode para falar de si e dos outros no Facebook e afins. Nada contra. Pelo contrário, também sou assim. E não acho nada de reprovável nisso. É bom poder falar de si às vezes, poder vasculhar questões, coisas boas, ruins e das quais se tem vergonha e expô-las para os demais. Além disso, é bom saber que nossos amigos também têm defeitos, medos e lembrar o quão divertidos, engraçados e espertos eles são.

Tornar pública alguma informação tem níveis diferentes de revelação. Uma coisa é sair na Contigo, na Caras, na Tititi e no F5 que Cauã Raymond e a mulher dele estão se separando. Outra coisa bem diferente é eu, que não sou famosa nem nada, dizer no meu status do Facebook que tenho medo de palhaços. Primeiro: a que isso pode interessar? Segundo: quantas pessoas vão ler? Quantas pessoas são minhas amigas no Facebook? Só quem eu conheço na vida real e que é, pelo menos, meu colega.
Agora surgiu na rede social uma nova enquete, do tipo desafio. Alguém fala um número de coisas sobre si e quem curtir (e todo mundo curte tudo no Facebook, essa é a verdade) ganha um número dessa pessoa. Esse número é a quantidade de coisas sobre si que essa outra pessoa deve revelar na rede, qualquer coisa, mas que pouca gente saiba.

Não vale, por exemplo, dizer que tem cabelo loiro e 27 anos, ou que é alta. O peso, deve valer, já que pouca gente revela isso. Será que vale o número do calçado?

Surgiu de tudo. Tem gente que tem medo de borboleta, que confessa (uau) que pode trocar facilmente o dia pela noite, que não gosta de cereja e chantilly (heresia, mas bom saber quando for fazer bolo Floresta Negra), gente contou como se converteu a uma nova religião e que tem pavor de ficar em cima da grade de ar do metrô. Qual o problema em querer saber e se interessar pela vida do outro? Isso faz parte de ser humano. Duas amigas disseram que querem ver a revolução. Isso dá orgulho dazamiga!

Eu curti, é claro. E fui ganhando uns números: 11 e 6... por enquanto. Vou fazer a média, 8,5! Resolvi trapacear e não publicar a lista na rede social e sim aqui no meu blog. Vale isso, produção? É que acho que vou escrever demais, e cabe muito melhor aqui do que no Facebook.

Antes, só quero dizer, já que nessa semana teve toda uma polêmica em torno de um novo aplicativo, que isso nada tem a ver com o Lulu e seus derivados. Na verdade não sou contra o Lulu, acho engraçado, embora de gosto duvidoso, mas uma coisa é a pessoa falar sobre si mesma, outra coisa é os outros ficarem falando, anonimamente, sobre outra pessoa, e sobre a intimidade dos outros. Eu só acredito piamente que nunca fui íntima de alguém que vá ficar espalhando por aí coisas sobre meu desempenho sexual. Se bem que... quem não deve, não teme! #prontofalei

1 - Não acredito em deus, nenhum, nem em energias, acaso, horóscopo, sorte ou derivados.

2 - Às vezes acho que acreditar em deus me ajudaria em muitas coisas, mas não acredito de jeito nenhum (http://autoretratonomuseu.blogspot.com.br/2012/02/eis-o-misterio-da-fe.html)

3 - Sou a rainha da procrastinação, deixo tudo para a última hora e sinto um prazer bizarro em ficar fazendo listas do que tenho para fazer e nunca começar a fazer nada (agora mesmo eu deveria estar fazendo outra coisa ao invés de escrever no blog, mas eu já pulei o mês de outubro e não posso deixar passar o de novembro)

4 - Tenho loucura por poupança. Gosto de poupar, de guardar dinheiro. Já tem amigos me dizendo que deveria investir em outras coisas, como tesouro direto ou em ações, mas sou conservadora e tenho medo de perder grana.

5 - Não se passa um dia sem que eu pense em Paris. Penso no tempo que passei lá todo santo dia e isso me deixa um pouco triste, porque sinto muita saudade. Não que eu ache que minha vida aqui não seja boa, mas é uma experiência incrível passar dia após dia fazendo descobertas e tendo experiências inéditas, e fui muito feliz ali.

6 - Não quero ter filhos. E acho que o mundo seria um lugar melhor se as mulheres pudessem afirmar mais isso para si mesmas e para todos, um mundo em que o fato de ser mulher não quisesse dizer que se tem o "instinto materno" e ninguém fosse pressionada a ter filhos para não "ficar para titia".

7 - Tenho pavor de lugares fechados cheios de gente. Por isso não gosto de shoppings e suas praças de alimentação. Por isso também não consigo me divertir em bares cheios e danceterias.

8 - Demorei mais tempo do que deveria para me livrar dos preconceitos do meio "intelectual" do qual queria fazer parte. A partir de então, vejo novelas da Globo sem neuras, ouço samba e curto futebol -principalmente jogos de Copa do Mundo e Eurocopa (ainda mais com a TV HD). Acho um saco quem diz que isso aliena as pessoas. Não é isso que aliena as pessoas. Não é isso que impede as pessoas de entender Kant ou Hegel, sorry!

0,5 - Guardo mágoas e rancores. Sou cheia de ex-amigos e não falo com nenhuma das pessoas que namorei.





sexta-feira, setembro 27, 2013

Frances Eu

Vi no cinema um dia um trailer de um filme em preto e branco, com uma garota meio estranhona que dançava pela rua ao som de uma trilha sonora contagiante. Parecia um filme feliz. Mais, parecia algum filme novo do Woody Allen.
Não demorou muito para descobrir que o filme não era de um dos meus diretores favoritos, mas sim do cara que fez um dos melhores filmes dos últimos tempos, Noah Baumbach, diretor de A Lula e a Baleia.
O tempo foi passando e as salas de exibição foram sendo reduzidas, até que criei vergonha na cara e fui ver o filme. Até então, já tinham saído inúmeras críticas nos jornais e nos sites, e amigos já vinham comentando (um em especial já vira o filme duas vezes).
No maior estilo Flaubert eu digo: Frances Ha sou eu. E é você, se você tem lá os seus 20 e tantos anos, tem ensino superior completo e mora numa grande cidade.
Frances tem 27 anos, se formou em uma boa universidade, saiu da casa dos pais para morar em Nova York, mas não consegue se decidir sobre o que quer fazer da vida. Ela diz que quer ser coreógrafa, mas o que faz para isso? Ela dá aula de balé para crianças na academia de um grupo de dança. Ela perde o emprego, oferecem a ela um outro, como secretária, que ela recusa, e então vai ser garçonete e faz-tudo em sua antiga faculdade com atuais estudantes, passando a morar no dormitório dali. Ela gasta o que tem e o que não tem para passar um fim de semana em Paris, no qual ela dorme o dia todo. Ela cai na rua enquanto caminha, e se levanta rapidinho para que ninguém perceba.
Frances é um tipo de looser dos filmes de Hollywood, aqueles de quem gostamos, no estilo de Miss Sunshine e Juno. Ela me é tão próxima…
No fim, ela dá certo, consegue montar uma coreografia sua. Consegue pagar aluguel na cidade para morar sozinha. Consegue aceitar o casamento de sua melhor amiga.
Ela é o retrato dos filhos da crise ao redor do mundo. Dos filhos das grandes metrópoles. Dos filhos de uma classe relativamente rica financeira e intelectualmente, mas que não tem sobrenome, não tem influência. Ela é o retrato de pessoas que não conseguem ter certezas que direcionem sua vida. De pessoas que são um pouco perdidas mesmo.

imagem do site nerdist.com

Há ainda um jantar no qual uma das presentes diz a Frances: “ah, você tem 27, parece mais velha. Mas mais infantil.”

quinta-feira, agosto 22, 2013

Orgulho e Preconceito

Já não é mais o assunto da vez, já foi ultrapassado pela traição do marido de uma das participantes da Fazenda e pelos pelos (maldita reforma ortográfica e o fim do acento diferencial) pubianos da última capa da Playboy, mas há algumas semanas atrás o assunto era só esse: a orientação sexual do personagem Félix da novela das nove da Globo, Amor à Vida. Ou melhor, a revelação de sua orientação sexual.
Para quem não acompanha a trama: desde o início ele prometia ser o vilão-dos-vilões, sucessor de Carminha de Avenida Brasil (que eu não vi) e, sendo assim, o favorito de todos os espectadores. Ele também já dava pinta de que era gay. 
Eu torci o nariz, poxa, por mais que o vilão seja sempre adorado pela galera da geral, os gays nunca aparecem como personagens de destaque nas tramas, e agora vai aparecer um como vilão? Fui mudando de opinião, porque, do mesmo jeito que não é o fato de ser gay que faz de alguém vilão, não é só porque alguém é gay que é bonzinho, não é mesmo? Uma coisa não tem a ver com a outra.
[A novela tem ainda um casal gay, Nico e Eron, que querem ter um filho, e no fim Eron vai cair de amores por uma mulher amiga do casal que os ajuda sendo barriga-solidária. Devo dizer que isso sim me faz torcer o nariz. Ao invés do autor Walcyr Carrasco dar um final feliz ao casal e mostrar uma adoção ou concepção bacana de uma criança por um casal gay, não, ele vai e destrói a relação dos dois como numa punição pelo desejo deles de formar uma família. Enfim.]
No episódio de 01 de agosto*, a esposa de Félix (sim, ele é casado e tem um filho) revela para toda a família na mesa de jantar que seu marido é gay, apresentando como prova fotos dele em momentos íntimos com seu amante. Estão presentes o pai e a mãe de Félix, César e Pilar, sua irmã -a protagonista da trama-Paloma, seu filho Jonatan, sua sogra, sua avó e alguns empregados da casa.
A repercussão do episódio foi enorme nas redes sociais e programas vespertinos. Porém, o impacto daquele e dos dois ou três episódios que se seguiram só poderá ser medido com o tempo. Arrisco dizer que aquelas cenas marcarão a história da TV brasileira e da causa gay no país.
Félix (Mateus Solano) e Jacques (Julio Rocha) em cena de Amor à Vida
Quem vê qualquer novela sabe que há ali inúmeras coisas que passam muito longe da realidade, e não é só o fato de ter um ônibus chamado Zona Leste em São Paulo, ou Marrocos e Brasil serem aparentemente a uma distância SP-Rio, faz parte da sedução que a novela exerce no espectador mexer com o improvável, com o desejável e com o faz-de-conta. Contudo, o conflito todo gerado pela revelação de que Félix é gay aproximou-se assustadoramente da realidade.
Alguns disseram ferozmente que a novela era preconceituosa pela forma como o assunto foi abordado. A realidade é que é preconceituosa. Que Félix tenha feito de tudo para negar a revelação, que seu pai tenha sido um escroto ao saber, o preconceito está na trama ou na vida real? É só ver quantas vezes e de que forma a palavra "vergonha" aparece nesse episódio. 
Um cara se casa com uma mulher, tem um filho, vive de aparências para garantir o amor, o afeto e a herança de seu pai, enquanto isso tem um amante homem. Quantos casos assim existem na vida real? Quantas pessoas não passam pelo sofrimento de lidar com sua sexualidade na chave da vergonha?
O pai de Félix reagiu, e tem reagido ainda, como muitos pais de homossexuais, rejeitam o filho e obrigam-no a mentir para "aceitá-lo" de volta. César obrigou, ou melhor, chantageou seu filho a continuar casado com sua esposa para que não o tire do testamento nem o mande embora de seu emprego, disse que tem vergonha de ter um filho gay, e que ele é um homem alfa pegador de mulheres. Já sua mãe, sua avó e sua irmã, se mostraram mais compreensivos. A mãe, Pilar (Suzana Vieira), fez um discurso didático, decoradinho, sobre como devemos aceitar os homossexuais. A avó veio com aquela história "ah, eu tenho amigos gays e eles são super legais". Não é que Suzana Vieira seja uma péssima atriz, mas a situação traz desconforto mesmo às mães que aceitam seus filhos, e o discurso vem decorado da "cartilha-do-tolerante". A avó carrega o discurso do que se diz sem preconceitos simplesmente porque se relaciona com o diferente.


O que a novela mostra é a vergonha imposta pela sociedade a pessoas que fogem de um padrão também imposto. Vergonha que gera medos, infelicidade e total insatisfação com uma vida falsa.
A vergonha é o que impõe uma sociedade àqueles que quer o tempo todo esconder. Há uma regra de normalidade a ser seguida, no caso, a hetenormatividade, em outros casos o cabelo liso, o corpo escultural (considerando esculturas gregas do corpo atlético), a pele branca etc. Àqueles que não se encaixam nos padrões dos modelos a serem seguidos cabe apenas se esconderem, em casa, ou em guetos. Resta apenas não se misturar, frequentar bares, restaurantes, shoppings e até mesmo ruas destinadas apenas a seus pares. Beijo entre dois homens tudo bem no bar gay, mas nada bem no meio da Praça da Sé, ou na novela das nove, porque choca criancinhas. Na Parada Gay pode, porque está todo mundo lá para isso, tem data no calendário e, como no bar gay, quem foi lá e viu não pode reclamar.
A resposta a essa vergonha só pode ser o orgulho! Esfregar na cara de todo mundo que gay existe, que vive, que tem direitos e que tem orgulho, e não vergonha, de ser o que é. 
Lembro das camisetas "100% Negro" que surgiram há tempos atrás, alguns diziam que iam fazer camisetas escritas "100% Branco" também. Mas para que? O homem heterossexual branco e rico já domina o país, já tem o poder, e não é humilhado, envergonhado todos os dias. Ele é o vencedor. 
Por isso, dias do orgulho, do orgulho gay, da consciência negra, das mulheres, são dias para nos lembrarmos de que o orgulho deve ser demonstrado todos os dias, é dia de luta.
Outro dia o jogador Emerson Sheik, que é heterossexual, postou uma foto beijando um homem na boca. Foi um escândalo, e não faltaram vozes contrárias ao que não passava de uma manifestação de carinho entre dois amigos. Quero ver quem é que vai se levantar e gritar para quem quiser ouvir que é gay. Seja ou não jogada de marketing, o que pessoas como Daniela Mercury fizeram não é fácil e demonstra sim orgulho, além de possibilitarem a existência de figuras públicas de destaque afirmando sua orientação sexual, com vozes que são ouvidas.
Não vamos nos esconder! A rua, o restaurante, o bar, o cinema, e qualquer espaço público que seja também é meu.
É a afirmação cotidiana do orgulho que pode vencer a vergonha e a humilhação.


*veja os episódios - http://tvg.globo.com/novelas/amor-a-vida/capitulo/2013/8/1/paloma-apoia-felix-e-o-deixa-sensibilizado.html

segunda-feira, julho 15, 2013

Fauna e Flora do Metrô de Sampa


  São Paulo é uma cidade sem muito verde e cuja fauna por vezes parece não ter muito mais do que mosquitos, ratazanas e baratinhas. Por isso, resolvi homenagear plantas e animais tão raros em nossa cidade cinza para caracterizar os usuários do metrô.
   Esse metrô maluco, de poucas linhas e muita gente, onde todo dia o pessoal viaja amarrotado e tem de fazer força para não enlouquecer empurrando e sendo empurrado, na lentidão e nos solavancos de um trem que, faça chuva, faça sol, vive com aquele anúncio "devido a problemas na estação X, estamos circulando com velocidade reduzida e maior tempo de parada".
   Quem anda reconhecerá ou se reconhecerá no reino selvagem do metrô.
 
Borboletas e mariposas 
Aquela velha história de saber a diferença entre elas pelo jeito como suas asas ficam quando param. Nos corredores do metrô há passageiros borboletas, que seguram discretamente nos tubos verticais para não caírem, sempre de braços fechados, mantidos perto do corpo, ou nos altos horizontais com um braço só ou com os dois grudadinhos. Já os passageiros mariposas são espaçosos e gostam de abrir as asas quando param nos corredores, como se espreguiçassem, seguram uma mão na barra vertical, outra na horizontal e ocupam dois metros, não deixando espaço para as pobres borboletas se equilibrarem.

Mosca tsé- tsé
A mosca africana Glossina palpalis misteriosamente vive no transporte público de uma cidade sem mata como Sampa. Transmissora do Trypanosoma brucei (protozoário causador da doença do sono), ela ataca aqueles que se sentam nos bancos preferenciais para idosos, grávidas e pessoas com criança de colo ou com deficiência. As picadas acontecem mais frequentemente no período da manhã e horários de rush, quando o metrô, e também os ônibus - sim, essa espécie também vive em ônibus - estão bem cheios.

Ruminantes
Esses mamíferos de estômagos complexos, com três ou quatro câmaras, estão sempre a comer. Na ida, na volta, na plataforma, nas escadas, nas catracas, não importa. Os ruminantes mais junky food vão com seus pacotes de salgadinhos de todos os tipos e todas as cores, e latas de refrigerantes e coxinhas de frango. Já os ruminantes mais saudáveis mastigam suas maçãs, seus lanches naturais em pão integral e tomam um suquinho de frutas de caixinha ou uma garrafa d'água.

Tubérculos
Os passageiros tubérculos vivem enterrados em seus celulares, smartphones, tablets e geringonças eletrônicas que o valha. Só olham para baixo e nunca para frente ou para os lados. É preciso muita força para arrancá-los da terra - das telas, o que por vezes pode fazer com que percam a estação em que deveriam descer ou fiquem na frente de todo mundo que quer passar pelos corredores, portas e escadas.

Dromedários
Os dromedários são muito frequentes nos vagões dos metrôs, aparecendo bem mais do que os camelos. Com sua bossa única, ocupam o espaço de duas pessoas nos corredores e quando se mexem podem chegar a machucar demais passageiros, tamanho o peso de sua bossa. Camelos, que carregam duas bossas, e dromedários, insistem em ignorar os pedidos de campanhas do sistema metroviário que pedem que carreguem bossas e mochilas nas mãos e que tomem cuidado para não ficarem presos nas portas dos trens.

Árvore
O passageiro árvore, onde para, cria raízes, e aí nunca mais sai do lugar. O terreno favorito para seu plantio é na região das portas dos trens e na esquerda das escadas rolantes.

Abelhas
O metrô está sempre cheio de abelhas abelhudas. Não se preocupem os alérgicos à la "My Girl", essas não picam. Elas estão interessadas na vida e conversa dos outros. Ao que aquele mocinho está assistindo no tablet? O que aquele casal está discutindo? E, o mais importante para as abelhas: Que livro o passageiro ao seu lado, em sua frente ou ali do outro lado do vagão está lendo? Elas, quando sentadas, quase caem de seus bancos, quando de pés, se contorcem como circenses, tudo para descobrir o que o outro está lendo. As mais abelhudas leem junto com o passageiro do lado, e ficam bravas quando o leitor vira a página antes de ela ter terminado sua leitura.

Leão
Ele é o rei da selva. Um dia seu pai disse que tudo que o sol toca seria dele. O sol tocou o metrô. E ele não respeita a ordem do montinho para entrar no trem, empurra todo mundo no Brás e quando alguém reclama, ele diz, como se os passageiros fossem todos da família do Eike: - Quer conforto vai de helicóptero!
Além disso, todos seus súditos devem se curvar a seu gosto musical e ouvir sua música. O rei não precisa de fones de ouvido.




segunda-feira, junho 10, 2013

Show no Facebook



Quem me conhece sabe: sou chata. Além de mão-de-vaca, tendo a ser muito mal-humorada quando pessoas não deixam a esquerda livre nas escadas rolantes e empacam na porta do metrô ao entrar. Também não curto ir à 25 de março em dias próximos ao Natal e Carnaval, odeio que cabelos alheios encostem em mim, não deixo meu belo-palio-97 com valets e meu esporte favorito, depois talvez de levantamento de garfo, é reclamar.
Reclamo de tudo - tema de muitos posts aqui - e esse é mais um post de reclamação.
Não curto muito ir a shows em que se deve ficar de pé, com exceção de alguns na choperia dos Sescs Belém e Pompeia, prefiro ficar sentada na grama do Sesc Itaquera e do parque do Ibirapuera, ou ficar sentada na minha poltrona, mexendo os braços e batendo os pés. Odeio mortalmente quem fica do meu lado cantando as músicas que estão sendo tocadas, afinal, estou lá para ouvir o artista no palco e não o artista-de-chuveiro-se-realizando-do-meu-lado. (Eu sei, todos os meus amigos já me disseram que isso é chatice minha). Não suporto sequer a ideia de ir a um festival e ficar o dia todo vendo bandas aleatórias, usando banheiro químico, comendo pizza-congelada-da-sadia de 10 dilmas e bebendo copo d'água de 5 dilmas, para ao fim do dia ver a banda-mais-bonita-da-cidade.
Já fui ao show do New Order em 2006 no Via Funchal e ao grande show da Björk na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, em 2007, grudada na grade gritando feito groupie após cada música. E foi só.
Aí, num impulso muito louco, três dias antes do show, resolvi gastar uma pequena fortuna para assistir ao retorno do The Cure ao Brasil após 17 anos sem nos visitar. Oh, The Cure, que junto com The Smiths, New Order, When In Rome, Erasure e outros, fez minha alegria nas festas da Thorns (quem lembra?), quando meu pai ia como responsável por mim e meus amigos menores de 18 anos.
O show foi memorável. Diria, até, que valeu cada rico centavinho. Porém (sim, sempre há um porém), o público era muito estraga-prazer. Chegamos cedo, mas não o suficiente para ficar perto do palco. Ficamos bem localizados, perto da lanchonete e não muito longe do banheiro, bem no alto de um pequeno morro, excelente para quem tem 1,60m num show enorme no Anhembi. Aos poucos o pessoal foi chegando e apertando, apertando e colocando seus 2m de altura a dois centímetros dos meus olhos. Até aí tudo bem né, faz parte.
Mas por que raios você vai para um show para ficar de papo com seus amigos a altos decibéis, do lado de gente que quer curtir o cara que tá lá em cima dando o sangue para cantar? Um grupo de uns seis adolescentes que estavam colados em mim não paravam de reclamar que não conheciam as músicas, ficavam de assuntos aleatórios e postavam fotos loucamente no facebook. Lou - ca - men- te!
Robert Smith no auge dos seus 54 anos cantou por 3 horas e meia sem parar, bela, linda e empolgadamente. É claro que em três horas ele não ia cantar só Boys don't cry, né, meu bem?! Então não reclama de não conhecer as músicas que você pagou 200 contos para ouvir, ou melhor, para não ouvir.
Eu já avisei lá no começo que sou chata. Mas juro que eles falavam alto demais, a ponto de não dar para ouvir as músicas direito. Sério mesmo. Há testemunhas. Eu só me pergunto: por que?
Aí eu me toquei. Eles não paravam de falar de fulano do facebook, sicrano do instagram, e na real, acho que estavam ali mais para dar check-in no foursquare e postar fotos no face dizendo que estavam lá. Aliás, quantas vezes você já não foi a um show em que era impossível ver o cara no palco a não ser por visores de câmeras alheias?
Há pessoas que não vivem mais para viver, mas vivem para contar na internet que estão vivendo e como estão vivendo.
Dancei, dancei muito até furar ainda mais meu tênis. Gritei e cantei. E vou, mais uma vez, sentir saudades do The Cure.

quinta-feira, março 28, 2013

Tempo Reverso

"Rua da União...
Como eram lindo os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
... onde eu ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
... onde se ia pescar escondido."
Manuel Bandeira, trecho de Evocação do Recife


Há um lugarzinho em São Paulo, atrás da linha de trem, em que seis ruas paralelas só de casas e sobrados nos transportam para outra dimensão.
Ali eu imagino um senhor apressado morando na rua Calendário, um viajante do tempo chegando em sua super máquina na rua Tempo Reverso, um casal apaixonado caminhando de mãos dadas na rua Sinfonia Branca, enquanto um casal se separa após anos de amor na rua Cantiga do Desencontro. Uma adolescente confusa olha para as opções que tem diante de si na rua Ramo de Rumos, e um astrônomo faz pesquisas sobre solstícios e equinócios na rua Relógio de Sol.
Desde que descobri esse lugar espremido ao sul por um murão da CPTM, a norte por um condomínio de prédios, a oeste por um viaduto e a leste por uma fábrica, ficava me perguntando de onde saíra nomes tão bonitos para ruas. Eu, que moro numa praça com nome de santa e que cresci numa rua com nome de um tal doutor-não-sei-das-quantas-que-não-aparece-no-google, sempre sonhei com uma cidade na qual uma avenida enorme se chamaria Manuel Bandeira e aos políticos restaria, quando muito, as pequenas ruas. 
Em São Paulo a família Maluf dá nome a metade da parte sudeste da cidade, há ruas importantes com nomes de brigadeiros, marechais, coronéis e batalhas da Guerra do Paraguai, uma rodovia chamada Castelo Branco (e não é o castelo de uma princesa), enquanto Guimarães Rosa e Vinícius de Moraes são ruas mirradinhas que quase ninguém reconhece quando passa por perto. 
Há paulistanos sortudos que moram na rua Três Cantos Tupis, na rua da Saudade, rua Amizade do Tatuapé, enquanto outros muitos sequer sabem quem foi o fulano que dá nome a seu endereço, ou professam fé diferente da do santo que vem abaixo de seus nomes nas correspondências.
Se você pudesse mudar o nome de sua rua, qual escolheria? 
Em tempo, os nomes das seis ruas paralelas, que ficam na Lapa, são uma homenagem ao poeta paulistano Paulo Bomfim, e são nomes de algumas de suas obras. Entre outros títulos seus, estão lindos nomes para ruas: Poema do Silêncio, Armorial, Colecionador de Minutos, Praia de Sonetos, Súdito da Noite e Tecido de Lembranças.

Apesar de chamar os nomes de bizarros, que eu qualificaria como maravilhosos, o blog Pensar Enlouquece, de Alexandre Inagaki, tem um post incrível sobre nomes de ruas baseados em músicas e outras coisas mais legais do que nomes de políticos e engenheiros: 
http://pensarenlouquece.com/os-nomes-de-ruas-mais-bizarros-google-street-view/

segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Viagem ao Sambódromo


Como muitos paulistanos e paulistanas, fui ao sambódromo no último sábado, dia 02 de fevereiro, para prestigiar as escolas de samba em seus últimos ensaios técnicos. Como já imaginava que ficaria muito tempo no ponto esperando pelo ônibus, resolvi checar no site da SPTrans o horário do próximo Ceasa a sair do Terminal Penha ( http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u1082844.shtml ).
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que o famoso 278A Penha-Ceasa que liga a zona leste à zona oeste passando, por exemplo, pelo sambódromo, teve seu trajeto reduzido até Santana. Segundo o site só há dois ônibus que passam pela Av. Olavo Fontoura, ambos saem do metrô Santana em direção a bairros mais distantes dentro da zona norte.
Recorri então ao metrô, e resolvi parar antes na estação Portuguesa-Tietê, sem sair da catraca, para checar se não havia, quem sabe, um ônibus de lá que passasse próximo ao sambódromo, já que ali é a estação de metrô mais próxima, ou quem sabe, considerando as proporções do evento, a prefeitura não teria disponibilizado um ônibus que fizesse o trajeto. Na catraca encontrei uma funcionária do metrô que me disse que eu poderia pegar o Ceasa ali.
- Sério? Mas no site da SPTrans essa linha não existe mais.
- Tem sim, pode descer aqui e pegar.
- Certeza?
- Certeza!
Ao descer para a Av. Cruzeiro do Sul, na saída da estação, perguntei a dois seguranças terceirizados trabalhando ali se o Ceasa ainda passava no ponto ao lado da banca.
- Ceasa? Não tem mais. Mas passa o Hospital Cachoeirinha aqui que vai para lá.
(Cachoeirinha é um dos que o site informava que saia de Santana e passava na Olavo Fontoura).
Fui então para o ponto, cheio de membros de escolas de samba com camisetas de suas agremiações, senhoras baianas, músicos, foliões que ensaiariam e que assistiriam. Todos ali esperando o Ceasa, ninguém ali sabia que o ônibus não operava mais esse trajeto.
Nos meus saudáveis 25 anos, resolvi esperar pelo tal ônibus e não fazer os 3km que separam a estação de metrô do sambódromo a pé, pois não consegui ninguém para me acompanhar, já era noite e tampouco tenho minha segurança garantida no caminho até lá. Quem já fez o trajeto sabe que, mesmo de dia, não é nada animador, com aquela passarela no Campo de Bagatelle nem um pouco pedestrian friendly, muitos muros e pouca iluminação, sem falar na precária calçada da Av. Olavo Fontoura.
Fiquei uma hora no ponto, das 20h às 21h, e, num sábado à noite, na semana que antecede o carnaval, nenhum ônibus da tal linha passou. (Checando no site da SPTrans no dia seguinte vi que a linha devia ter três carros saindo do ponto final nesse intervalo aos sábados.) Mas, é claro, quando o Estado se omite a população fica à mercê da ilegalidade e uma van clandestina estava operando o trajeto metrô Portuguesa-Tietê/Anhembi, cobrando R$3 de idosos e, é claro, não aceitava bilhete único nem concedia o direito a meia -passagem a estudantes e professores. Durante a uma hora que passei no ponto ela passou após a primeira meia-hora e depois de 25 minutos de novo. Uma van clandestina pegava a Marginal Tietê lotada de pessoas, sentadas e de pé, deixando todos ao lado da Campus Party 2013, a 20 passos de uma base móvel da PM.
Procurei um guarda da GCM:
- Olha, gostaria de avisar que tem uma van clandestina operando o trajeto do metrô Tietê até o sambódromo.
Cara de paisagem por 10 segundos.
- Ah, a CET já está tomando providências.
- Ah é? Porque fiquei uma hora no ponto e ela operou normalmente.
Cara de paisagem pra sempre.

Ao chegar em casa e pesquisar sobre o ônibus e a mudança de trajeto, descobri um abaixo-assinado contra a alteração que foi anunciada em janeiro de 2013 ( http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2013N34330 ), além do artigo do Agora de abril de 2012 com link no início do texto. O abaixo-assinado dá ótimas razões para a linha não ser alterada, mas mais uma vez as empresas de ônibus ganharam e a população perdeu.