sexta-feira, maio 22, 2015

Do outro lado do mundo, parte 2

Logo de cara, quando se chega no aeroporto de Pequim, após passar pelo controle de imigração e receber o carimbo no passaporte --e uma marca no seu visto de duas entradas indicando que você acaba de usar a primeira-- a impressão que se tem não é muito diferente da que tive em países europeus. Segue-se as placas em inglês para o trem expresso que leva ao centro da cidade, compra-se o bilhete e o trem para numa estação incrivelmente limpa dentro do aeroporto; nem se vê o lado de fora.

Estação de trem expresso no aeroporto
Do trem para o metrô a troca é simples, ainda mais para quem está acostumado a usar metrô em grandes cidades. E é só ao descer na estação de destino final e sair no meio da rua que se tem dimensão do que é estar na China. Placas em chinês para todo lado, céu cinza, bicicletas e motos elétricas (que não fazem barulho, cuidado!) enchendo as faixas à direita de largas avenidas...
Eu cheguei de manhã cedo e, claro, me perdi completamente apenas para descobrir em qual rua devia virar ao sair da estação de metrô Xinjiekou. Levei muito tempo tentando descobrir, virando de um lado para o outro o mapa do guia e o mapa que pegara no aeroporto --para que lado é o norte quando você não vê o Sol? Até que resolvi apelar para o "ni hao, dui bu qi" (oi, com licença) seguido de um "zai nar" (onde) e apontando no mapa fazendo cara de interrogação ao meu interlocutor.
Finalmente achei o hutong onde ficava o hostel, uma rua estreita que abria com um restaurante halal e onde eram vendidas frutas, motos e bicicletas buzinavam e pessoas passavam apressadas fumando e cuspindo. A garota jovem com quem fiz o check-in no hostel foi a primeira pessoa a me revelar uma das coisas que mais me marcariam nos chineses: sua estranha relação com o comunismo e Mao. Após ela ter me perguntado de onde eu era no Brasil e me contar euforicamente que tinha adorado a animação "Rio", eu perguntei de onde ela era na China, ao que ela respondeu:
-- Da província de Hunan, a mesma de Mao Zedong.

entrada do hutong Zhengjue


Ao todo passei 20 dias na China, entre Pequim, Yangshuo, Shanghai e Qingdao, cidades completamente diferentes entre si, que também me proporcionaram muito diversas experiências e despertaram, assim, diferentes sentimentos em mim.
O guia que me acompanhou, de papel, um "Routard" --guia para mochileiros francês, que eu já usara na Grécia, na Croácia e uso mesmo no Brasil-- me contou sobre um ditado chinês que diz: se quiser conhecer a história da China, vá a Pequim, mas se quiser conhecer a China de hoje, vá a Shanghai.
Pequim é uma cidade impressionante, grande, com bairros modernos, cheios de painéis luminosos à noite, avenidas assustadoramente largas nas quais faixas são exclusivamente dedicadas a bicicletas e motos. E bem no meio daquilo tudo está uma outra cidade, a imperial, a Cidade Proibida, ao redor da qual Pequim passou a crescer e virou o que é hoje, e ao sul da qual está o maior e mais representativo espaço da, para mim incompreensível, China comunista: a Praça da Paz Celestial, Tian'anmen, com o retrato de Mao ao norte e o imenso mausoléu que abriga seu corpo mumificado ao sul, separados por uma imensidão de chão cinza e uma avenida de incontáveis faixas.

visão do norte quando na Praça da Paz Celestial


Yangshuo é uma pequena cidade --para os padrões chineses-- cortada pelo rio Li, famoso pelas montanhas às suas margens e conhecida por todo o país como o local ideal para turistar de bicicleta. A região é uma das mais visitadas pelos turistas chineses e, por isso, o centro de calçadões de Yangshuo --composto por 4 ou 5 ruas--, especialmente à noite, fica entupido de gente atrás de itens de suas lojinhas e camelôs. O clima é de cidade de interior turística, e me lembrou um pouco Campos do Jordão, mas de um jeito bom.

rua principal do centro de Yangshuo


Shanghai tem ruas ainda mais largas que as de Pequim, muitas pessoas engravatadas e prédios de arquitetura esdrúxula. O rio que corta a cidade e a proximidade do mar fazem com que as noites sejam frias --ainda que fosse meio de abril-- e com ventos que desencorajam os passeios. Se eu achava que São Paulo tem shoppings demais, Shanghai me fez ver que sempre é possível ter mais, e os de lá são incrivelmente luxuosos, com imensas lojas de marcas como Hermès, Chloè, Vivienne Westwood, Salvatore Ferragamo e por aí vai.

O Pudong, em Shanghai


Qingdao, antiga colônia alemã famosa pela cerveja Tsingdao (encontrável na Liberdade e restaurantes chineses em geral), é uma cidade portuária, com praias de pedras e cheias de algas que tornam o cheiro desagradável, longas avenidas que não mudam de nome e seguem sempre reto e onde o desafio maior é se locomover, já que não há metrô e o sistema de ônibus não é em inglês nem transliterado seguindo o pinyin.

praia em Qingdao próxima ao parque Zhanqiao

domingo, maio 10, 2015

Do outro lado do mundo, parte 1

E eis que cheguei ao outro lado do mundo. Desde criança ouvia frases como as do Chaves, de que se cavássemos muito chegaríamos à China, mas eu resolvi ir de avião mesmo.

China, palavra que parecia representar o oposto, o outro, o diferente.

Quando me perguntavam por que eu iria passar férias na China, eu não sabia muito bem o que responder. Era uma série de motivos, e explicar assim, de pronto, era meio complicado.

Desde que voltei do intercâmbio na França tinha essa ideia fixa de fazer uma viagem de volta ao mundo, para a qual vinha juntando dinheiro. Já tinha pensado em todas as paradas que faria com o bilhete de avião especial para voltas ao mundo: países na África, Oriente Médio e Ásia. Porém, não queria abandonar meu emprego atual e, sendo assim, em 2015 teria de me contentar com uma viagem de um mês, de férias.

Queria então que fosse algo diferente --já havia estado na Europa três vezes nos últimos cinco anos-- e desafiador, uma espécie de test drive para uma viagem ao redor do mundo. Queria um lugar onde não entendesse as placas e sinais (na Grécia já tinha sido interessante isso), e onde a comida, a história, a cultura e os costumes fossem diferentes, mas queria também um lugar seguro o suficiente para uma garota viajar sozinha.

Desde a época do colégio tenho uma grande amiga chinesa, nascida em Hong Kong, e ela e sua família eram meu laço mais forte com a cultura chinesa. Além disso, cineastas de Hong Kong, Taiwan e da China estão entre meus favoritos absolutos, como Wong Kar Wai, Tsai Ming Liang e Jia Zhang-ke.

Então por que não a China? Mas não Hong Kong ou Taiwan, bastante ocidentalizados, a China China mesmo. E assim foi surgindo o plano das férias.

Da China para Coreia é um pulo. Por que não então visitar minha companheira de apartamento estudantil na época da Sorbonne, minha vizinha e também uma outra coreana intercambista que era minha parceira de sessões de cinema matutinas aos domingos em Paris?

Pronto, foi assim. E por isso parti.



Hoje, de volta ao Brasil após um mês fora de casa, do outro lado do mundo, a compreensão da experiência dessa viagem está se assentando ainda. Estou tentando olhar para tudo o que vivi de uma maneira talvez mais compreensiva do que fui capaz durante meu tempo ali.

É muito complicado julgar ou ler uma cultura diferente da minha com meus padrões, com a minha ideia do que seja etiqueta, respeito, educação; chega a ser injusto. Porém, qual outra lente tenho disponível?

Em 20 dias sozinha na China aprendi muito mais sobre mim mesma do que sobre os chineses. Mas também aprendi muito sobre sua história e cultura milenares, sobre as dinastias, os imperadores, a revolução, Mao, a comida, os hábitos.

Mas não foi fácil, e em alguns momentos queria desistir, pegar o avião de volta e simplesmente estar num lugar conhecido com gente conhecida falando uma língua conhecida, num lugar onde eu fosse capaz de ler as placas e conversar com as pessoas.