sexta-feira, junho 01, 2012

Marcha das Vadias




  Milhares de coisas passaram pela minha cabeça durante a Marcha do dia 26 de maio. Eu gostaria de escrever sobre todas elas, mas de uma vez só não dá, então escrevo sobre apenas algumas das milhares de coisas.
  Um dos "slogans" da marcha de 2012 era Marcharemos até que todas sejamos livres. Pois é. Vamos ter de marchar muito.
  Liberdade para mulher é poder abandonar seu parceiro depois de ser agredida com o respaldo do Estado para sua proteção. Liberdade para mulher é uma educação oficial que não pregue papéis fixos para os gêneros, que possibilite azul e espaço público para mulher, se ela quiser, e rosa e espaço privado para o homem, se ele quiser. Liberdade para mulher é gerar com essa educação igualitária menos possibilidades de ela ser agredida por seu parceiro, que vai vê-la menos como um objeto e ela vai ver-se menos como submissa. Liberdade para mulher é poder sair de noite de casa apenas (ok,eu sei que já é muito, homens, mas vamos com medos adicionais) com medo de assalto, roubo, sequestro, como um ser humano de qualquer sexo na “cidade grande”, e não também com medo de ser violentada, estuprada, molestada por, aparentemente, estar do lado mais fraco. Liberdade para mulher é não mais ser vista como minoria, pois não o somos. Liberdade para mulher é poder sair com a roupa que ela quiser para ir onde ela quiser, mesmo que não seja carnaval, sem ser humilhada, ameaçada e sentir-se acuada no espaço público. Liberdade para mulher é poder ter o direito de fazer um aborto legal e seguro caso não acredite ser capaz de ser mãe no momento em que enfrenta uma gravidez indesejada. Liberdade para mulher é ter acesso ao planejamento familiar e ao parto natural seguro garantido pelo Estado. Liberdade para mulher é receber o mesmo salário que um homem quando executar a mesma função.
  Quando alguém fala que o feminismo é ultrapassado, que as mulheres já conseguiram muito e que agora é tudo firula, quando ouço que não existe mais machismo, confesso que quase não posso me conter, uma vontade incrível de esfregar na cara do cidadão os dados, só os dados, coisa que brasileiro adora. E vamos então só falar de violência, sobretudo a física, uma parte muito pequena do universo dos problemas enfrentados pelas mulheres no Brasil. Segundo dados, uma em cada cinco mulheres consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido” e o parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais de 80% dos casos reportados. E mais: "a cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil. Na maioria dos casos, o assassino é o namorado, marido ou ex-companheiro, que mata dentro de casa, após já ter cometido pelo menos um ato de agressão" (Estado de S.Paulo, 08.05.2012). Por que será? Eu pergunto a você, que acredita mesmo ser desnecessária a luta feminista hoje, eu pergunto: por que?  Já ouço as respostas:
  - Ah, a mina que escolheu o cara que vai namorar.
  - Bem feito, culpa dela.
  Quando um homem é assassinado durante o assalto do seu carro, alguém fala que a culpa é do cara? Quando um homem apanha de um ladrão roubando, é culpa do cara? Não, né? Mas quando a mulher apanha a culpa é dela que escolheu mal seu parceiro; quando é estuprada, a culpa é dela que saiu de saia curta e blusa decotada, né? Aprendam uma coisa: a culpa não pode ser da vítima. Porém, quando se trata de vítimas mulheres, a culpa é sempre da vadia. Afinal, se a garota sai de roupa curta ela está pedindo para ser estuprada, não é mesmo? Não é porque o corpo da mulher é dela e ela veste o que ela quiser, não é porque ela acha que fica bonita naquele vestido, é porque ela está querendo ser estuprada.
Podem falar que estou viajando, mas parem para pensar só um pouquinho. Você, mulher, quantas vezes já deixou de comprar aquela blusinha decotada porque olhou no espelho do provador e pensou "onde eu vou poder usar isso?". Amiga, você pode usar a roupa que quiser onde quiser. Ou deveria poder, num mundo sem machismo. Mas, oh!, esqueci que não existe mais machismo. Então, amiga, vá ser feliz com sua blusinha. Você, homem, pai, quantas vezes já não olhou para a roupa da sua filha, da sua esposa, saindo sozinha de casa e não ficou preocupado, ficou pensando nela andando pelas ruas da cidade, pegando metrô e ônibus, você acha que isso é paranoia ou acha que é um perigo real? Mas a luta feminista não era muito demodé? Uai!
 Antes da Marcha fiz um convite às pessoas: se você é mulher ou se você é homem e conhece alguma mulher que já deixou de usar uma roupa por medo de violência, vá à Marcha. Pense bem, qual parcela da população você acha que responderia sim a essa pergunta? Agora, a luta não tem sentido mesmo?
  Vadia é um termo que choca você? Então pare de usá-lo. Se vadia é a mulher que exerce a liberdade que tem sobre seu corpo, junto-me ao coro da Marcha, então somos todas vadias!

*foto de João Romano (http://jaoromano.tumblr.com)