No que agora me parece o distante ano de 2010 (lembrando que eu tenho problemas com a memória de médio-prazo), meu último ano de graduação, eu era a coordenadora editorial da revista acadêmica Humanidades em Diálogo, que contava com uma seção, que abria a revista, de entrevistas com grandes pensadores. O nome do entrevistado era escolhido pela comissão editorial, muitas vezes em votação acirrada. Graças a essa seção eu entrevistei o professor Ismail Xavier e o então ministro Paulo Vannuchi.
Um belo dia, enquanto discutíamos um nome para a entrevista do volume 4 (que demorou mais de um ano para ficar pronta por total falta de verbas), um colega da história surgiu com a ideia de entrevistarmos um professor chamado Nicolau Sevcenko. Até aquele momento, ele não passava de um nome distante de um professor do departamento de história, como tantos outros nomes que vinham à minha mente ao pensar no prédio ao lado do qual eu estudava.
Escolhemos entrevistá-lo. E aí começamos a ler suas obras, cheguei a frequentar suas aulas, e pensávamos no formato da entrevista, já que ele era um professor bastante descontraído, distante das formalidades que muitos professores exigem em seu tratamento.
Li loucamente maravilhada "Orfeu Extático na Metrópole" e "A Corrida para o Século XXI", no qual ele fala desse loop da montanha-russa pelo qual passamos na virada do século 20 para os anos 2.000. A figura de Sevcenko, as coisas que ele escrevia, tudo ali era genialidade e generosidade. Ele tratava as pessoas de igual para igual, por mais que ele fosse simplesmente um dos grandes intelectuais de nosso tempo.
Marcamos a entrevista, e onde seria? Nada mais nada menos do que no escritório de Harvard no Brasil, o que, para jovens terminando a faculdade na USP era algo sensacional e emocionante. Nos sentíamos lisonjeados. E foi uma entrevista regada a vinhos e com falas que nos faziam ficar boquiabertos.
O professor Sevcenko falou sobre o financiamento de pesquisa de humanas no Brasil, falou sobre futebol, sobre urbanização, São Paulo, literatura, sociedade do espetáculo, protestos e, não menos inteligentemente, sobre Lady Gaga. Na época, a cantora fazia um sucesso estrondoso com Bad Romance.
Ontem a notícia de que Sevcenko morrera me chegou como um cometa que abre um buraco no coração. Eu trocava e-mails com ele frequentemente nos últimos tempos, falara com ele e com sua esposa ao telefone algumas vezes na semana passada, e falei com ele no dia anterior. Como assim morto?
No dia daquela entrevista num dia quente de julho, em 2010, nascia o sobrinho de um dos colegas. Sevcenko acabara de traduzir Alice no País das Maravilhas e dedicou um exemplar ao garoto recém-chegado. Hoje, essas palavras se enchem de significado. Jamais esquecerei de sua feição e sorrisos ao assistir a um vídeo de Lady Gaga conosco no YouTube. Sabedoria e generosidade.
”Que sua vinda seja um mergulho permanente na Toca do Coelho.
Quanto mais fundo, mais maluco, mais divertido, mais confuso e mais feliz!”
Ricardo, eu, prof. Sevcenko, Nicole, Fernando e Anna |
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