Há dez anos eu vim ao Rio de Janeiro pela primeira vez. Lembro do fascínio que tomou conta de mim ao ver o Pão de Açúcar quando o ônibus que saiu do terminal ao lado da rodoviária rumo ao apartamento do couchsurfer que me hospedaria passou voando pelo aterro do Flamengo.
Como eu tomara um ônibus noturno de São Paulo, era muito cedo, o dia amanhecia. E essa sensação estranha de ver ali, em presença e peso, uma imagem repetida diversas vezes apenas como reprodução. Parecia que de repente começaria a tocar uma canção de bossa nova, como numa abertura de novela. Era como ver de pertinho alguém muito famoso de quem só se viu fotografias e vídeos infinitamente.
Nessa primeira viagem, me comportei como se nunca mais fosse ter a chance de pisar meus pés no Rio de Janeiro. Bem turisticamente, visitei o Cristo, subi ao Pão de Açúcar -em parte pela trilha, com a ajuda de outro couchsurfer-, fui ao Jardim Botânico, passeei pelas ruas e centros culturais do centro, fiz fotos na escadaria Selarón, dancei numa festa numa quadra de escola de samba.
A cidade mais linda do mundo.
Voltei ao Rio muitas vezes desde aquele julho de 2010, reatualizando a primeira impressão. Muita coisa ruim acontece, mas
A cidade mais linda do mundo.
O Rio não é como Paris ou Roma, tão lindas quanto suas famas. Paris é aquela sensação de quando se encontra a pessoa amada em sua melhor versão, na porta do cinema, ou numa mesa de restaurante a meia luz, o nervoso na boca do estômago, a expectativa de uma noite, a pessoa sorridente, bem-arrumada, cheirosa, um ar fresco.
O Rio é aquele sentimento de quando se acorda pela manhã ao lado da pessoa amada, descabelada, com ramela, bafinho, e o quarto está quente, e a coberta está bagunçada, um descanso na alma, uma languidez, uma paralisia.
Nos últimos 90 dias, porém, o Rio tem sido aquele crush com quem se sai uma vez, outra vez, e outra, e toda a ação se resume a conversas interessantes e trocas de beijos. A ânsia de que a coisa evolua, que fiquemos nus logo, a frustração. Será que não tá afim de mim?
Hoje me enchi de coragem e caminhei até a praia de Botafogo. Uns 300 metros depois de sair do prédio, avistei o Corcovado e o Cristo. O clichê, a cidade de cartões-postais.
E depois ali, olhando os barcos naquele pedaço redondo de mar, quase um lago, em que do lado oposto desponta o morro de formato característico que um dia quiseram chamar de Pão de Açúcar, eu chorei. Não podia tocar meu rosto para enxugar as lágrimas, então elas foram ficando, secando com o ventinho que vinha da praia. Fui até bem perto da água, me sentei, fechei os olhos, e resolvi ficar apenas ouvindo a água chegando devagar na areia.
Como o sol se punha atrás do prédios, os morros mais distantes foram se tornando cor de rosa e, depois, também o Pão de Açúcar. A imagem de sonhos.
Estar fora de casa desde que as medidas de isolamento começaram fez com que eu construísse uma ideia de excepcionalidade, de suspensão do cotidiano, de extraordinário. Ainda que eu saiba que o vírus também está em São Paulo, que meus amigos e minha família também estão trancados, eu não criei memórias de casa sob a pandemia. Sendo assim, ainda há espaços para uma ilusão de que a volta será uma volta ao que havia antes. Ao ordinário. A imagem dos sonhos.