Minha vó foi copeira, arrumadeira e babá em casa de gente "muito chique", como ela conta. Trabalhou na rua Bahia, em Higienópolis, na alameda Barros, e na Condessa de São Joaquim.
Hoje, fomos almoçar num restaurante chiquetoso em frente à Praça Buenos Aires, onde ela costumava passear aos domingos quando trabalhava só até depois do almoço.
Ela me contou de uma foto que tirou ali na praça, vestindo uma saia preta longa de seda, que sua patroa tinha trazido para ela da Itália. Ela falou das roupas que usava: sempre de saia, luvas, vestidos elegantes. "Ninguém achava por aqui que eu fosse doméstica".
"Era uma beleza morar no trabalho. Eu tinha um quarto todo bonito, banheiro com banheira só para mim." Ela diz que gostava de ser babá e de ser copeira, porque os doces eram todos feitos na copa. Ela fazia pudins e bolos. E passava os panos de centro de mesa das patroas, que não podiam ter nem sequer uma ruguinha. Não gostava de ser arrumadeira, engraxar os sapatos dos patrões e polir as maçãs que iam na fruteira da sala.
A patroa da rua Condessa de São Joaquim, era ateia, minha vó contou. Ela era babá da filha dessa mulher quando se casou. A patroa foi na igreja no dia do casamento, que foi na antiga igreja da Penha. "Mas ficou só na porta, não entrou porque era ateia." Minha vó parou de trabalhar em casa de família. A menina ficou doente de saudades da babá. "Mal sabia a mulher que eu sempre levava a filha dela para as igrejas ali da Liberdade e ensinava ela a rezar."
Nesse momento, já estávamos almoçando, ela pediu que eu acreditasse em deus. Que eu devia ter fé. Desviei do assunto, nem lembro como.
No Jardim da Luz, que, assim como a praça, para ela, agora está feio, sujo e malcuidado, ela me contou da sua vizinha que a chamava para passear por lá. "Ela vivia me chamando para vir aqui no Jardim da Luz. Ela vinha sozinha, de ônibus, e passava o dia aqui procurando homem." A vizinha viúva chamava minha vó, também viúva, para ir passear no jardim em busca de homens prum "sapeca iá iá". Nessa hora, quase morri de rir. Não conhecia a expressão. "Safada ela era. Tinha um foooooogo aquela mulher." Dois homens passaram cantada na minha vó no nosso passeio no parque.
Fiquei satisfeita com a história dessa vizinha, muito mais feliz do que as anteriores que ela tinha contado envolvendo homens. Certa vez, passeando no cemitério da Consolação em dia de folga quando era copeira em Higienópolis, um homem saiu correndo atrás dela com o pau pra fora. O dentista no qual ela ia, pago pela patroa da São Joaquim, tentou estupra-la uma vez. Ela fugiu correndo e gritando. "É por isso que eu falo: tem estupro sim, tem médico que estupra as pacientes."
Eu ofereci de refazer o retrato que minha vó tinha tirado na Praça Buenos Aires e que hoje se perdeu. Ela disse que não. Que não gosta de ser fotografada. Que naquele retrato ela estava linda, tinha 19 anos. De saia, cabelos compridos e sem óculos. Eu consegui um selfie do Jardim da Luz, para onde fomos mais tarde. Ela continua linda.
Um comentário:
Ai, amiga, que história linda... me vi no Parque da Luz contigo e com tua vovó...
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