A vida a Paris deixou nesse último mês de ser turística para se tornar realmente uma vida de hábitos e rotina, o que de certa forma é bom porque é uma vivência como outras, e é triste, porque sempre há algo muito precioso que escapa quando estamos na rotina: a surpresa. Mas mesmo esse lado negativo teve, enfim, seu lado positivo, me despertar para o fato de que a rotina não pode ser medíocre só porque estou em Paris, que ela também deve ser evitada quando voltar a São Paulo, porque a vida é curta a Paris, a S.Paulo, não importa onde, e tenho que me permitir a surpresa não importa onde.
A rotina chegou quando a coisa apertou na faculdade, é claro. Uma turista não tem trabalhos a entregar,livros para ler. Esse mês tive uma dissertação e um comentário de texto para fazer, antes das férias tenho duas provas e depois das férias devo entregar outra dissertação e uma "minimemoire". Isso faz com que os dias que antes eram de passeios por Paris acabem sendo consacrados à bibliotecas, e noites a fio acordada em casa. Mas mesmo ir à biblioteca é diferente, primeiro porque elas são muito bonitas,segundo porque aqui toda a dinâmica delas é diferente. As pessoas fazem fila, num domingo, para entrar na biblioteca, onde não há mais lugar para sentar. Eu fiquei chocada com isso. A biblioteca da Sorbonne é belíssima, Sainte Geneviève tem uma aura incrível, nas duas eu não sei se estudo ou se olho a pintura, na primeira, arquitetura na segunda. Tem a de domingo, porque é a única que fica aberta, a Beaubourg no Centre Pompidou, super imensa e "moderna", parece um shopping, tem escada rolante, espaço para comer, mas também é agradável e super clara, porque é toda cercada de vidros.
Ainda acho que estudo pouco aqui,que poderia estudar mais, mas espero poder atingir a nota média, necessária para ser aprovada, um esforço que me dê 2 ou 4 pontos a mais eu prefiro, sinceramente, gastar em alguma coisa que eu sei que não poderei fazer fora de Paris. Porém mesmo assim adquiri uma consciência maior sobre os estudos com a cultura francesa, mudei minha visão sobre muitas coisas e tenho certeza que isso vai me trazer muitas coisas boas de volta em casa.
Não sei se escrevo ou não sobre toda a angústia que tomou parte de mim há alguns dias, a dor da partida inevitável e tudo isso. Não sei se quero escrever sobre isso agora, depois que decidi virar um pouco a situação para olhá-la de uma maneira mais positiva e menos triste. Tento ser menos desesperada com a ideia de "preciso ver tudo,preciso absorver tudo,não há tempo" e prefiro respirar fundo o que está ao meu alcance, e, sobretudo, aproveitar também as pessoas que me são próximas aqui e que tenho certeza de que vão deixar uma saudade imensa. É meio besta pensar que Jelena e Zoé poderiam ser minhas amigas para o resto da vida e isso não vai acontecer, mesmo se dissemos a nós mesmas que haverá um reencontro (uma travessia da rota 66 nos EUA).
Nas primeiras semanas, até por mais tempo do que devia, eu, como muito avarenta que sou,economizava em tudo (ainda faço isso),mas também em comida. Como a força das circunstâncias se impuseram fortemente, eu decidi comer tudo que eu visse e tivesse vontade. Assim, comi já não sei quantos tipos diferentes de pão e patisserias diversas, tortas, bolos etc. Comi escargot e pato. Ainda faltam as ostras da Bretanha e o coelho. Crepes sempre que dá vontade e guloseimas. Assim, agora posso dizer, contra o que afirmava antes: há uma verdadeira razão para a França ser considerada a terra da boa comida. Porque a comida aqui é REALMENTE MUITO BOA. Tudo aqui se faz com paixão quando o assunto é comida. O padeiro é um artista, é uma vocação. Fui a uma padaria em Le Havre e quase tive um treco. Como muitas aqui, era gerida por uma família de tradição de padeiros, e havia todo tipo de pão e patisseria, e ainda por cima, nada cara.Macarons sem dó, é verdade que não do Pierre Hermé,mas achei alguns que rivalizam muito bem. Essa semana, inclusive, descobri ao acaso uma lojinha "desde 1925", cheia de coisas boas, uma bomboniere de deixar criança louca e matar diabético, e lá tem macarons "à l'ancienne" que são quase orgásmicos, a partir da primeira mordida o cheiro é inacreditável, e a textura é a perfeição mesma.
Essas coisas que acontecem ao acaso é que devo continuar a me permitir, não ter pressa, não me engessar, e assim Paris se revela a cada dia em toda sua magia, mesmo a mais simples.
No fim de outubro as tias do Renan estavam em Paris e numa sexta à noite nos encontramos, no fim fomos jantar juntas e foi genial. O lugar era super simpático e o papo inteligente, fazia tempo que não falava português durante muito tempo,e mesmo se não dou muita importância para isso, às vezes é bom, porque muitas vezes me sinto menos inteligente "em francês". Depois disso foi o final de semana da Sorbonnales, uma festa para os estudantes da Paris IV,mas precedida por uma competição, na qual minha equipe (Filosofia, 6 pessoas, das quais 1 professor, 3 estrangeiras e duas francesas) ficou em segundo lugar, ganhando muitas coisas fofas e um ingresso para a Comédie Française para ver uma peça de Shakespeare em dezembro. Foi quando Lucas chegou, fazia já 4 anos que não nos víamos, mas como Le Havre é muito mais perto de Paris do que Fortaleza de S.Paulo, foi preciso atravessar um oceano para nos unirmos mais uma vez. Ele ficou em Paris por 4 dias e no quinto foi minha vez de visitá-lo.
Normandie: primeira vez que vi o sol se pôr no mar. Uma das duas coisas que queria ver imperativamente durante essa viagem, a outra é neve, e que ela não tarde. Le Havre, apesar de toda má propaganda que o Luke fez, se revelou muito simpática com uma praia linda, de pedras brancas. Cidade destruída pela guerra foi reconstruída durante os anos 50. Não gosto da arquitetura de lá,mas tudo bem. O teatro da cidade foi desenhado por nada mais nada menos que Niemeyer. Podem me chamar do que quiser, mas ao meu ver sua missão é enfeiar o mundo com grandes coisas brancas que parecem saídas de um filme B de ficção científica. De lá fizemos passeios em Honfleur, a cidade dos impressionistas, e Etretat, a cidade das falésias. Honfleur é simpática,o marché é super tradicional mas é mais histórica do que bela, à diferença de Etretat, com a praia maravilhosa, e o sobe e desce das falésias. Como subi e desci,nossa. No último dia, antes de voltar a Paris, fomos a Giverny, com uma parada de 30minutos em Rouen. Nem deu tempo de ir na praça onde Joana D'Arc foi queimada, mas vimos o relógio e a igreja que Monet pintou certa vez. O interesse de Giverny é o jardim de Monet, e sua famosa ponte japonesa. Mas com uma baita chuva e um baita vento, não estava lá essas coisas. Fomos no último dia de visitação antes de fecharem, e só abrem de novo em abril, entendo bem o porquê, afinal é meio frustrante ir até lá e descobrir as ninféas escondidas pelas folhas de outono que ocupam todo o lago.
Quando voltei ainda tive tempo de aproveitar a última horinha do primeiro domingo do mês para ir ao Pantheon. Nada impressionada pelo descanso eterno de Rousseau e Voltaire (querem agora colocar Camus lá também), gostei mesmo é do pêndulo de Foucaut, que me fez lembrar das aulas de física, eu sempre pensava o quão grande ele seria quando o professor dizia que era necessário que fosse grande. É grande.
Passeando a fio pela região que chamam de Chinatown em Paris (mas que não lembra em nada a Liberdade e onde há sobretudo restaurantes), resolvi entrar num mercado chinês, Tang Frères, para ver o que havia. E qual não é a minha surpresa ao achar...feijão! Não o branco, não o vermelho, o brasileiro do dia-a-dia, o rajadinho. Ai que alegria. E também um docinho de tamarindo com pimenta, super duper.
La triste histoire du cafe bresilien - Meu café Três Corações Extra Forte acabou. Devia ter trazido mais, porque o café de um preço aceitável aqui é completamente inexpressivo, fraco e tem um gosto super estranho, fora que é preciso colocar bastante pó para fazer um cafezinho. Dommage.
Quoi de plus? Macarons, campeonato de esgrima, visita maluca a IKEA (eu quero morar na França e mobiliar minha casa com IKEA), brunchs e mais brunchs no bandejão no domingo de manhã (ai, mto Sex and the City), barco pelo rio Sena (com o "bilhete único"), visitar um metro "de verdade",se é que isso existe.... Festa de 20 anos da queda do Muro de Berlim na Place de la Concorde seguida de visita a Torre Eiffel e dança diante da torre, definida por Jelena como um dos itens da lista de "coisas para fazer antes de morrer" (mesmo se detesto esse tipo de livro, que me despertam uma angústia de viver), gelatto italiano de morango muito bom mas que ainda dá vontade de ir a uma das lojas da Hagen Dazs. Encontro dos habitantes da residência no Hide Out, festival de cinema franco-coreano, o melhor crèpe salgado da história no capricho.
Versailles! Finalmente a entrada triunfal pensando em Ceremony do New Order, é o cinema mexeu muito com a minha cabeça. Gostei muito mais do jardim do que do palácio, onde a coisa mais interessante é a porta encondidinha por onde Marie Antoinette tentou se escapulir da gilhotina. O jardim é gigantesco, andamos muito para ir ao domínio de M.A., onde há o Trianon, realmente lindo. Essa visita foi com Zoé e uma de suas irmãs gêmeas (elas são três), Adèle.
Duas visitas magnificas com comidas idem à casa de Elsa, como uma à casa de Sebastien, também com comida idem, meus queridos alsacianos. Decidi por passar o Natal com a família de Zoé justamente na Alsace, e isso me parece um ótimo plano. Visita à Catedral de Saint Denis, muito mais do que eu esperava da primeira construção gótica da história. Café Deux Magots, o café existencialista, com Filip, meu amigo polonês que faz curso de árabe. Balé contemporâneo na belíssima Opera Garnier, museu de ciências e indústria no Parque da Vilette e conhecer um marroquino que tocava um instrumento egípcio muito hipnotizante, pizza com Han, uma nova amiga chinesa (Jacy, Cris,pas de souci). Uma tentativa frustrada de uma boa soirée na ponta da Ile-de-la-Cité interrompida quando uns caras mal encarados que chegaram a mim e Jelena para dizer "vocês têm medo?", pode parecer engraçado,mas entramos em pânico. Um patê de tudo quanto é parte do porco que não é completamente ruim mas que cheira tão mal que não quero mais comer, e a descoberta obrigatória de novos doces na padaria mais próxima da gula.
Salão do vinho de Paris. Devo dizer que se antes me interessava pelo vinho de maneira mais ou menos inofensiva, agora, depois de escutar nomes de vinhos e uvas a perder a conta, quero mais é me tornar enóloga. Há duas semanas fui numa degustação do Beaujolais nouveau, convidada pela Parismus. Hoje fui ao Salão do vinho de Paris, convidada por Christian, um amigo mexicano do CouchSurfing. Em três horas não demos conta nem de um quarto da expo, e nem degustei muitos vinhos tintos, tentei alguns chardonnays e o mítico (falo que os filmes mexem com minha vida, tudo por causa de Sideways) pinot em suas versões gris e blanc, mas ficamos, Noelle e eu, no Montbazillac e sua família, Cadillac, Sauternes, Loupiac, brancos licorosos da região de Aquitaine. O que mais dizer...sem comentários sobre os vinhos franceses, pas besoin.
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