segunda-feira, agosto 08, 2011

Uma vez escoteiro...




Hino Alerta (Rataplan do Arrebol)

Rataplan do arrebol,
Escoteiros vede a luz!
Rataplan! Olhai o sol
Do Brasil que nos conduz

Alerta, ó Escoteiros do Brasil, alerta!
Erguei para o ideal os corações em flor!
A mocidade ao sol da Pátria já desperta
A Pátria consagrai o vosso eterno amor
Por entre os densos bosques e vergéis floridos,
Ecoem nossas vozes de alegria intensa!
E pelos campos afora em cânticos sentidos
Ressoe um hino ovante à nossa Pátria imensa!
Alerta! Alerta! Sempre Alerta!
Um, dois! Um, dois!
Rataplan do arrebol,
Escoteiros vede a luz!
Rataplan! Olhai o sol
Do Brasil que nos conduz

Unindo o passo firme a trilha do dever,
Tendo um Brasil feliz por nosso escôpo e norte
Façamos ao futuro, em flores antever
A nova geração jovial confiante e forte!
E se algum dia acaso a Pátria estremecida,
De súbito bradar: Alerta aos Escoteiros,
Alerta respondendo, à Pátria a nossa vida
E as almas entregar iremos prazenteiros!
Alerta! Alerta! Sempre Alerta!
Um, dois! Um, dois!


Esperando mais de quarenta minutos pelo queridíssimo secular na USP, enquanto o sol se punha, justamente por conta do arrebol*, de repente, não mais que de repente, surge em minha cabeça a letra dessa música que transcrevi acima. Primeiro, não pude acreditar que conseguia me lembrar de toda a letra, as duas partes; segundo, comecei a prestar atenção nas frases; terceiro, pensei comigo: entregar minha alma prazenteira é o #$@%&¨!!!
            Explico: fui escoteira durante seis anos, dos 10 aos 16, com direito a ser Escoteira da Pátria, insígnia mais alta que um escoteiro entre 15-18 anos pode conseguir. Fui monitora de patrulha, escoteira (11-15) e guia (15-18), sabia fazer amarras e nós e todos os outros clichês sobre escoteiros que você deve estar pensando; sim, eu usava roupa caqui, meia até o joelho, saia e um chapéu meio-de-safari. Ah, e um lenço no pescoço!
            Eu era escoteira de verdade, não tinha vergonha de dizer que o era, saía na rua de uniforme e sempre defendi os preceitos do movimento, mas-porém-contudo-todavia hoje eu não consigo me conformar de ter sido assim e feito certas coisas. Depois daquele momento no ponto de ônibus da USP, cheguei em casa e disse à minha mãe, que também era do movimento: como você pôde deixar que sua filha cantasse uma música dessas?
            Mea culpa, fui eu, com uns nove anos de idade, que li em algum lugar sobre os escoteiros e enchi o saco dos meus pais para entrarmos nessa. Não imaginara que daria tão certo, e a família toda entrou no esquema, com louvor! Não digo que seja arrependimento o que sinto, na verdade é um choque, parece que cada vez que penso sobre o escotismo, e meu envolvimento com ele, fico estarrecida de nunca ter percebido certas coisas enquanto estava lá, indo todo sábado hastear e arriar bandeira, todo feriado acampar sem chuveiro quente e às vezes sem banheiro, no meio do mato!
            Não vou aqui ceder às minhas tendências fefelechentas (de gente da FFLCH-USP) e dizer coisas no vocabulário esquerda-direita, ou pelo menos tentarei. Mas, convenhamos, crianças de 11 anos cantando coisas como “respondendo à Pátria nossa vida” e jurando coisas por “Deus, Pátria e próximo” faz você lembrar do que? Coisa boa é que não é! Troca o “próximo” por “família” e temos o Integralismo. Ou quem sabe a TFP. E o belicismo é evidente num movimento que tem, no Brasil, como um de seus heróis, Aldo Chioratto, escoteiro que morreu aos 9 anos na Revolução de 1932. Encontrei no site de um grupo escoteiro o seguinte trecho sobre o garoto:
“Aldo Chioratto é para o escotismo paulista, o protótipo do escoteiro. É, na realidade, a personificação do segundo mandamento da lei escoteira – “o Escoteiro é leal”; foi leal no cumprimento os seus deveres, foi leal aos princípios e à necessidade de ser responsável, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. Os restos mortais de Aldo repousam hoje no Mausoléu Constitucionalista, ao lado de outros tantos heróis dessa epopéia. Única criança a transpor o altar e as portas da glória. Sua memória permanece indelével em nossos corações e, como um símbolo iluminado em nosso caminho, brilha para Sempre... Alerta até a Eternidade.” (fonte: http://www.carajas.com/wiki/index.php?title=Aldo_Chioratto)
Desculpem-me os bravos, mas eu sairia correndo para minha mamãe. E tenho dito. Não curto Rambo e não consigo imaginar um mundo correto no qual escoteiros, garotos e garotas menores de 15 anos, são treinados para ajudar na guerra. Podem dizer que hoje não é mais assim, que Baden Powell (criador do escotismo) pensou isso há muitos anos atrás, e que jamais requereriam as forças de escoteiros-mirins (isso me lembra o guia dos sobrinhos do Tio Patinhas) para uma guerra. Certo, aceitemos isso, o intuito do escotismo não é mandar ninguém para a guerra.
Voltemos então para o que há de preparo, o que há também de ideologia no movimento. Seguem as 10 leis escoteiras e a promessa escoteira, requisitos básicos para um verdadeiro escoteiro:
  1. O Escoteiro tem uma só palavra; sua honra vale mais que sua própria vida.
  2. O Escoteiro é leal.
  3. O Escoteiro está sempre alerta para ajudar o próximo e pratica diariamente uma boa ação.
  4. O Escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros.
  5. O Escoteiro é cortês.
  6. O Escoteiro é bom para os animais e as plantas.
  7. O Escoteiro é obediente e disciplinado.
  8. O Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades.
  9. O Escoteiro é econômico e respeita o bem alheio.
  10. O Escoteiro é limpo de corpo e alma.
Prometo pela minha honra fazer o melhor possível para: Cumprir meus deveres para com Deus e a minha Pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à Lei Escoteira.

Bom, eu me lembro de ter sido a primeira vez que ouvira a palavra cortês, e vocês podem imaginar sobre vérgeis, a palavra que está no hino inicial. Meu vocabulário de fato melhorou muito nos meus anos no movimento escoteiro. As leis e a promessa são, à primeira vista, bastante, como dizer... atraentes para aqueles que acreditam que a juventude está perdida no mundo e que precisa de decência. Eu não posso negar que, pelo menos o conteúdo das leis, não difere muito da educação que tive em minha casa, por exceção de ser amigo de todos e de colocar qualquer coisa que seja acima da minha própria vida. Quanto ao conteúdo da promessa, já é mais complicado. O que discutíamos muito em casa quando éramos todos escoteiros era o real teor de uma promessa que envolva Deus, afinal, ateus não podem ser escoteiros? Aparentemente não. E até que ponto o patriotismo não se confunde com ufanismo? Não seriam essas questões muito complexas para crianças?
Vale lembrar que o movimento escoteiro é voltado para pessoas a partir de 6 anos de idade, a partir da alfabetização, e para cada estágio da vida há um estágio escoteiro. Por mais que envolva um lado lúdico e de educação não-formal, não posso deixar de crer que seja sim um movimento ideologicamente perigoso. Imitação de exercito na prática e na teoria, uma miniatura de exercito, por assim dizer. A disciplina, o cotidiano, os acampamentos...
Dizem: “uma vez escoteiro, sempre escoteiro”. Sinto muito. Eu fui e não sou mais, muito obrigada!


*s.m. Cor avermelhada das nuvens quando nasce ou se põe o sol.

5 comentários:

Nicole disse...

HAHAHA! Secular da USP!
Fim.

Nicole disse...

And whatthehell is arrebol?

Nicole disse...

Estou comentando à prestação para te incentivar a escrever, sacomé: 3 comentários = vitória (para quem abandonou o blog por um ano).

Adorei o texto, chuchu. Mal posso esperar para te dar o seu presente =)

Beijo!

Nicole disse...

Sim, eu tenho capacidade de perguntar coisas que estão explicadas no texto.
Como passei na fuvest, me diz?

Da sua amiga kosher,

Nicole disse...

Senhor, só eu comento aqui!
Bom, o seu público pede: post novo, é hora!

Aquele beijo,