Hino Alerta (Rataplan do Arrebol)
Rataplan do arrebol,
Escoteiros vede a luz!
Rataplan! Olhai o sol
Do Brasil que nos conduz
Alerta, ó Escoteiros do Brasil, alerta!
Erguei para o ideal os corações em flor!
A mocidade ao sol da Pátria já desperta
A Pátria consagrai o vosso eterno amor
Por entre os densos bosques e vergéis floridos,
Ecoem nossas vozes de alegria intensa!
E pelos campos afora em cânticos sentidos
Ressoe um hino ovante à nossa Pátria imensa!
Alerta! Alerta! Sempre Alerta!
Um, dois! Um, dois!
Rataplan do arrebol,
Escoteiros vede a luz!
Rataplan! Olhai o sol
Do Brasil que nos conduz
Unindo o passo firme a trilha do dever,
Tendo um Brasil feliz por nosso escôpo e norte
Façamos ao futuro, em flores antever
A nova geração jovial confiante e forte!
E se algum dia acaso a Pátria estremecida,
De súbito bradar: Alerta aos Escoteiros,
Alerta respondendo, à Pátria a nossa vida
E as almas entregar iremos prazenteiros!
Alerta! Alerta! Sempre Alerta!
Um, dois! Um, dois!
Esperando mais de quarenta minutos pelo queridíssimo secular na USP, enquanto o sol se punha, justamente por conta do arrebol*, de repente, não mais que de repente, surge em minha cabeça a letra dessa música que transcrevi acima. Primeiro, não pude acreditar que conseguia me lembrar de toda a letra, as duas partes; segundo, comecei a prestar atenção nas frases; terceiro, pensei comigo: entregar minha alma prazenteira é o #$@%&¨!!!
Explico: fui escoteira durante seis anos, dos 10 aos 16, com direito a ser Escoteira da Pátria, insígnia mais alta que um escoteiro entre 15-18 anos pode conseguir. Fui monitora de patrulha, escoteira (11-15) e guia (15-18), sabia fazer amarras e nós e todos os outros clichês sobre escoteiros que você deve estar pensando; sim, eu usava roupa caqui, meia até o joelho, saia e um chapéu meio-de-safari. Ah, e um lenço no pescoço!
Eu era escoteira de verdade, não tinha vergonha de dizer que o era, saía na rua de uniforme e sempre defendi os preceitos do movimento, mas-porém-contudo-todavia hoje eu não consigo me conformar de ter sido assim e feito certas coisas. Depois daquele momento no ponto de ônibus da USP, cheguei em casa e disse à minha mãe, que também era do movimento: como você pôde deixar que sua filha cantasse uma música dessas?
Mea culpa, fui eu, com uns nove anos de idade, que li em algum lugar sobre os escoteiros e enchi o saco dos meus pais para entrarmos nessa. Não imaginara que daria tão certo, e a família toda entrou no esquema, com louvor! Não digo que seja arrependimento o que sinto, na verdade é um choque, parece que cada vez que penso sobre o escotismo, e meu envolvimento com ele, fico estarrecida de nunca ter percebido certas coisas enquanto estava lá, indo todo sábado hastear e arriar bandeira, todo feriado acampar sem chuveiro quente e às vezes sem banheiro, no meio do mato!
Não vou aqui ceder às minhas tendências fefelechentas (de gente da FFLCH-USP) e dizer coisas no vocabulário esquerda-direita, ou pelo menos tentarei. Mas, convenhamos, crianças de 11 anos cantando coisas como “respondendo à Pátria nossa vida” e jurando coisas por “Deus, Pátria e próximo” faz você lembrar do que? Coisa boa é que não é! Troca o “próximo” por “família” e temos o Integralismo. Ou quem sabe a TFP. E o belicismo é evidente num movimento que tem, no Brasil, como um de seus heróis, Aldo Chioratto, escoteiro que morreu aos 9 anos na Revolução de 1932. Encontrei no site de um grupo escoteiro o seguinte trecho sobre o garoto:
“Aldo Chioratto é para o escotismo paulista, o protótipo do escoteiro. É, na realidade, a personificação do segundo mandamento da lei escoteira – “o Escoteiro é leal”; foi leal no cumprimento os seus deveres, foi leal aos princípios e à necessidade de ser responsável, mesmo que isso lhe custasse a própria vida. Os restos mortais de Aldo repousam hoje no Mausoléu Constitucionalista, ao lado de outros tantos heróis dessa epopéia. Única criança a transpor o altar e as portas da glória. Sua memória permanece indelével em nossos corações e, como um símbolo iluminado em nosso caminho, brilha para Sempre... Alerta até a Eternidade.” (fonte: http://www.carajas.com/wiki/index.php?title=Aldo_Chioratto)
Desculpem-me os bravos, mas eu sairia correndo para minha mamãe. E tenho dito. Não curto Rambo e não consigo imaginar um mundo correto no qual escoteiros, garotos e garotas menores de 15 anos, são treinados para ajudar na guerra. Podem dizer que hoje não é mais assim, que Baden Powell (criador do escotismo) pensou isso há muitos anos atrás, e que jamais requereriam as forças de escoteiros-mirins (isso me lembra o guia dos sobrinhos do Tio Patinhas) para uma guerra. Certo, aceitemos isso, o intuito do escotismo não é mandar ninguém para a guerra.
Voltemos então para o que há de preparo, o que há também de ideologia no movimento. Seguem as 10 leis escoteiras e a promessa escoteira, requisitos básicos para um verdadeiro escoteiro:
- O Escoteiro tem uma só palavra; sua honra vale mais que sua própria vida.
- O Escoteiro é leal.
- O Escoteiro está sempre alerta para ajudar o próximo e pratica diariamente uma boa ação.
- O Escoteiro é amigo de todos e irmão dos demais escoteiros.
- O Escoteiro é cortês.
- O Escoteiro é bom para os animais e as plantas.
- O Escoteiro é obediente e disciplinado.
- O Escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades.
- O Escoteiro é econômico e respeita o bem alheio.
- O Escoteiro é limpo de corpo e alma.
Prometo pela minha honra fazer o melhor possível para: Cumprir meus deveres para com Deus e a minha Pátria, ajudar o próximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à Lei Escoteira.
Bom, eu me lembro de ter sido a primeira vez que ouvira a palavra cortês, e vocês podem imaginar sobre vérgeis, a palavra que está no hino inicial. Meu vocabulário de fato melhorou muito nos meus anos no movimento escoteiro. As leis e a promessa são, à primeira vista, bastante, como dizer... atraentes para aqueles que acreditam que a juventude está perdida no mundo e que precisa de decência. Eu não posso negar que, pelo menos o conteúdo das leis, não difere muito da educação que tive em minha casa, por exceção de ser amigo de todos e de colocar qualquer coisa que seja acima da minha própria vida. Quanto ao conteúdo da promessa, já é mais complicado. O que discutíamos muito em casa quando éramos todos escoteiros era o real teor de uma promessa que envolva Deus, afinal, ateus não podem ser escoteiros? Aparentemente não. E até que ponto o patriotismo não se confunde com ufanismo? Não seriam essas questões muito complexas para crianças?
Vale lembrar que o movimento escoteiro é voltado para pessoas a partir de 6 anos de idade, a partir da alfabetização, e para cada estágio da vida há um estágio escoteiro. Por mais que envolva um lado lúdico e de educação não-formal, não posso deixar de crer que seja sim um movimento ideologicamente perigoso. Imitação de exercito na prática e na teoria, uma miniatura de exercito, por assim dizer. A disciplina, o cotidiano, os acampamentos...
Dizem: “uma vez escoteiro, sempre escoteiro”. Sinto muito. Eu fui e não sou mais, muito obrigada!
*s.m. Cor avermelhada das nuvens quando nasce ou se põe o sol.
5 comentários:
HAHAHA! Secular da USP!
Fim.
And whatthehell is arrebol?
Estou comentando à prestação para te incentivar a escrever, sacomé: 3 comentários = vitória (para quem abandonou o blog por um ano).
Adorei o texto, chuchu. Mal posso esperar para te dar o seu presente =)
Beijo!
Sim, eu tenho capacidade de perguntar coisas que estão explicadas no texto.
Como passei na fuvest, me diz?
Da sua amiga kosher,
Senhor, só eu comento aqui!
Bom, o seu público pede: post novo, é hora!
Aquele beijo,
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