Penelope - David Ligare |
Ulisses é o personagem da
Odisseia de Homero, era o cachorro de Clarice Lispector e é também o título do
livro de James Joyce.
James Joyce é irlandês e
seu livro sobre um 16 de junho de Leopold Bloom se passa em Dublin.
Dublin está a 9.384km de
São Paulo, no hemisfério norte, do outro lado do Oceano Atlântico.
O homem que amo foi morar
em Dublin.
E assim voltamos a Ulisses
de Homero, cuja esposa se chama Penélope.
Penélope fica e Ulisses vai
à guerra. Enquanto isso, por anos, Penélope é cortejada pelos homens de sua
cidade, muitos deles interessados nas posses de Ulisses que estão agora sob sua
responsabilidade. Ela, para se livrar dos pretendentes, como uma Sherazade
buscando se safar da morte, anuncia que só se casará novamente quando tiver
terminado de tecer o que havia começado.
Penélope tece durante o dia
e desfaz à noite, esperando fiel por Ulisses.
Ela não tem perfil no
Facebook, nem conta no Skype. Ulisses tampouco tem acesso a SMS ou à internet.
Vivem em outros tempos. Mas são do presente. Penélope e Ulisses são daqueles
personagens fundadores do pensamento ocidental, símbolos que explicam até hoje
nossa experiência.
Saudade - Almeida Junior |
Os demônios da ausência
contra os quais Penélope tem de lutar em sua guerra solitária são tão presentes
quanto a Medusa e as sereias enfrentadas por Ulisses em sua odisseia.
Mesmo com Facebook, Skype,
celular, avião e toda tecnologia a que tenho acesso, digo: Sou Penélope.
Isso não quer dizer que
estou sendo exagerada, dramática, desproporcional. Já ouço as vozes que se
querem razoáveis dizendo "mas ele não foi para guerra", "ele foi
porque quis", "não é impossível vê-lo", "você tem internet
e câmera integrada ao seu notebook". Sim, vozes pós-modernas, concordo.
Isso não faz de mim menos Penélope. É a força do símbolo, da alegoria até.
Ausência e saudade.
Suspensão.
Ainda que seja possível ter
notícias da pessoa ausente, isso não faz dela presente. Não há imagem, não há
mensagem e não há vídeo que coloque no real o cotidiano de volta em seu lugar.
Não há inovação tecnológica capaz de ser o abraço daquela pessoa durante a
noite, o comentário bobo e espontâneo diante da televisão, a companhia do café
da manhã, almoço e janta.
Penelope Unraveling her Work at Night - Dora Wheeler |
De Penélope e Ulisses de
Homero até eu e o homem que amo muitos anos se passaram. Os sofrimentos e
desejos humanos continuam os mesmos. A curiosidade e o ímpeto de conhecer o
novo em conflito com o desejo de segurança e o medo continua a confundir os
mais sensatos e os mais corajosos. O amor nos liga e nos dá vontade de seguir juntos
por aí, mas amor é asa - como diz Gabriela de Amado - e não cadeia, e o amor
quer ver o outro crescer e ser feliz, mesmo que para isso seja preciso sofrer.
A distância é cruel, mas o amor não é mesquinho. A ausência é túnel, mas o amor
é corda, é linha. Linha do tear de Penélope, fio de Ariadne.
"7. Instalo-me
sozinho, num café; alguns vêm me cumprimentar; sinto-me acolhido, requisitado,
lisonjeado. Mas o outro está ausente, evoco-o em mim mesmo para que ele me
retenha na beira dessa complacência mundana que me espreita. Apelo para sua
'verdade'(para verdade cuja sensação ele me dá) contra a histeria de sedução
com a qual me sinto resvalar. Torno a ausência do outro responsável por minha
mundanidade: invocosua proteção, sua volta: que o outro apareça,
que me retire, como uma mãe que vem buscar o filho, do brilho mundano, da
fatuidade social, que me devolva 'a intimidade religiosa, a gravidade' do mundo
amoroso.
8. Um koan budista
diz: 'O mestre segura a cabeça do discípulo debaixo da água, durante muito,
muito tempo; pouco a pouco as bolhas começam a se rarefazer; no último
momento, o mestre tira o discípulo, reanima-o: quando você desejar a verdade
como desejou o ar, então saberá o que ela é.'
A ausência do outro segura minha cabeça
debaixo da água; pouco a pouco, sufoco, meu ar se rarefaz: é por essa asfixia
que reconstituo minha 'verdade' e preparo o Intratável do amor."
Roland Barthes - Fragmentos de um
discurso amoroso
Penélope - Tatiana Blass |
Um comentário:
Que lindo, amiga! Calma que vai passar! Bora pra night! hahahaha! =)
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