sexta-feira, fevereiro 03, 2012

A Cracolândia e a Nova Luz


O primeiro fato a ser considerado é a criação do Projeto Nova Luz em 2005 como parte do plano da Prefeitura de São Paulo para a revitalização do Centro,  programado para estar pronto em abril de 2011, porém os planos de urbanização começam a ser aprovados apenas em 2010. O segundo fato é que, próximo ao Natal, a Favela do Moinho, no bairro da Luz, é destruída por um incêndio, desalojando centenas de pessoas; o noticiário nos faz crer que o fogo começou por descuido de um dos moradores. Terceiro fato: um edifício de uma antiga indústria, localizado ao lado da Favela do Moinho, e ocupado por diversas famílias é implodido, ainda que a implosão seja um fracasso, no primeiro dia do ano. No terceiro dia de 2012 – o quarto fato – a Polícia começa uma mega operação na região conhecida como Cracolândia, no bairro da Luz.
O que une os quatro pontos elencados acima é o primeiro fato, ou seja, os outros três são ações que visam colaborar para o primeiro, o Projeto da Nova Luz. Para um objetivo sobre o qual todos estão convencidos de ser uma boa coisa, a Prefeitura parece acreditar ser válido o uso de quaisquer meios.
Após meses empurrando os usuários de crack de uma rua para outra do centro de São Paulo, a Prefeitura resolveu “eliminar” a Cracolândia. Existem centenas de pessoas nessa região vivendo nas ruas dia e noite em função de sua dependência da droga, e agora a Polícia Militar chegou para bater, empurrar, chutar, prender, enfim, amedrontar essas pessoas. A rua Helvetia, que estava repleta deles, agora está tranquila, mas os moradores de Higienópolis sabem daquilo que a Prefeitura finge não saber: os dependentes não vão desaparecer por um passe de mágica; e por isso os moradores do bairro mais nobre da região central temem que a realidade da Cracolândia esteja em suas calçadas pela manhã do dia seguinte à ação policial.
A Prefeitura de São Paulo quer “revitalizar” o Centro, mas se esquece de que vai colocar vida de novo em um lugar no qual já há vida. Com certeza a vida que lá está não é a da beleza do Leblon das novelas, mas ali moram pessoas com suas famílias, certamente muitas irregulares, ocupando ruas e prédios abandonados porque o aluguel no Centro é abusivo. Quando a Prefeitura apóia a construção e reforma de prédios no Centro com apartamentos a preços altíssimos, que vida ela quer recolocar na região? E os que não podem pagar, que morem nas periferias e enfrentem três horas de viagem para ir e voltar de seus trabalhos. Quando a Prefeitura quer enfrentar o problema de saúde pública que é a Cracolândia e coloca 30 agentes de saúde e 300 policiais nas ruas, qual discurso vencerá, o da violência ou o da possível reabilitação? 
O Ministério Público abriu inquérito no dia 10 de janeiro sobre a chamada Operação Centro Legal na Cracolândia para investigar a violência da Polícia Militar e o tipo de abordagem aos dependentes químicos. Enquanto isso a população da cidade de São Paulo assiste a tudo confortavelmente pela televisão, acreditando que o trabalho esteja sendo bem feito pela polícia e esperando por uma Nova Luz.


-este texto escrevi em 05 de janeiro para enviar a um jornal do interior, que não o aceitou.