quinta-feira, janeiro 26, 2012

Simone de Beauvoir e os e-mails


Os e-mails mudaram muito nossa vida, muitos crêem que para melhor. Começo a ter minhas dúvidas quando leio biografias.
Como serão escritas as biografias no futuro? Onde procurará o biógrafo por fatos importantes na vida de uma pessoa importante? Se você sabe que se tornará importante não esqueça de não deletar seus e-mails e de deixar a senha num lugar visível antes de partir.
Simone de Beauvoir soube desde cedo que sua vida seria digna de livros, não apenas porque viveria grandes coisas, mas também porque ela mesma seria sua biógrafa, e sabia que escreveria muito bem sobre sua vida. Ela foi vivendo e contando, e muitas vezes vivendo de maneira que os acontecimentos fossem dignos de serem contados. É uma grande piração se pararmos para pensar, mas também fez com que ela vivesse um grande livro.
Mas não só os biógrafos sofrerão com a era dos e-mails, mas também os comentadores e teóricos. Existem livros e livros sobre como Kant escreveu seus livros, a ordem dos capítulos, as inspirações, e grande parte das teorias são baseadas em sua correspondência. A visita à exposição sobre Clarice Lispector no Museu da Lingua Portuguesa há alguns anos atrás foi muito mágica em grande parte por conta da sua correspondência lá exposta em pequenas gavetas de descobertas. E o livro de cartas entre o Nelson Algreen e, mais uma vez, Simone de Beauvoir; as Cartas a Théo de Van Gogh e muitos outros momentos de possibilidade de magia.
Ler correspondência de pessoas importantes, ou melhor, interessantes, não é um mero passeio por fotos da Ilha de Caras. Se ler diários é muito intenso pois é íntimo, ler correspondências é emocionante porque é uma troca, porque nos localizamos num espaço-tempo de outra pessoa, dentro de suas relações, percebendo o que é dito e muitas vezes escondido, quais momentos ganham relevância, e o que é partilhado.
Como se chamarão os romances epistolares depois do e-mail? Joguei essa pergunta para o Google, nosso instrumento que subtitui, por vezes, horas de buscas dentro de uma biblioteca. Achei um romance de Matt Beaumont que poderia se encaixar nesse novo gênero, constituido apenas por trocas de e-mails. Mas não tive resposta de dicas para o novo nome desse gênero de literatura.
Mas voltando a vidas reais e não ficcionais, não é só o fato de o e-mail parecer menos interessante, mais superficial, menos espirituoso, digamos, porque não carrega nem mesmo a letra do remetente. Muitas cartas passaram a ser escritas com máquinas de escrever,ok. Há sim uma espécie de fetichismo, para usar palavra em voga, em torno das cartas enviadas por Correio (que aliás, está um abuso de caro), a sua objetividade, sua tatilidade (existe?), a espera etc. Mas existe também o problema da relação efêmera que temos com os e-mails, assim como com as mensagens de texto de celular. A tecla deletar. Tudo bem que a carta podemos rasgar de raiva, jogar fora como se nada fosse, mas a tendência é guardarmos numa caixa nem que seja no fundo do baú. Será que seremos capazes de desenvolver uma outra relação com o e-mail, justamente por ele ser mais virtual do que real? Será que passaremos a dar mais importância ao que falamos, à maneira como escrevemos e teremos a consciência da importância deles para a posteridade (claro que não eu que não serei famosa, bom, quem sabe...)?



Esqueci de dizer. O último post foi o de número 100 do blog! O primeiro post foi no dia 23 de março de 2007. Ok, em quase 5 anos 100 posts não é muito, mas é um motivo para comemorar ainda assim.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

O Cinema e o Amor

Escada do Gemini em São Paulo   
São muitos os filmes de amor, é claro, mas dessa vez quero falar sobre o cinema do lado de cá, o lado ao qual gostamos de esquecer que pertencemos quando entramos no cinema. Também existe amor do lado de cá, e enquanto a tela está iluminada e a luz... apagada.
Como é gostoso ver um filme passando na televisão e lembrar-se da sala em que assistimos o tal filme. Ou quando alguém fala sobre um filme e você se lembra de com quem estava numa sala de cinema.
Eu tento guardar todos meus ingressos de cinema desde 1998, quando tinha 11 anos. Ainda não tive a coragem de contá-los e não é esse post que vai me inspirar.  Não me orgulho da escolha desse filme de 98, mas me lembro exatamente de como foi: A Noiva de Chuck no shopping da Penha, estava na sexta série, era o cinema mais próximo do colégio e o filme era proibido para menores de 14 anos, se não me engano,e nós burlamos a bilheteira e ainda pagamos meia-entrada. A Amanda e eu. Primeira vez que sai sem meus pais, muita emoção, na sexta antes do carnaval, cinema vazio.Quem sabe meus pais teriam garantido um nível um pouco mais elevado de filme, já tinha visto de Aladdin e Rei Leão a Twister e Jurassic Park com eles.
1998 era um ano no qual com cinco ou seis reais você comia no McDonalds e ia ao cinema. Essa fase da escola me levou a ir ao cinema sem meus pais com frequência, pois todo fim de bimestre, após as provas, todos os alunos do colégio iam no mesmo dia infernizar os funcionários do cinema do shopping. Claro, o pessoal ia ao cinema para falar, gritar e ficar, moda do momento. Minha primeira ficada seria em setembro desse mesmo ano, durante um filme com o Hannibal Lecter mas não nesse papel...IMDB me ajuda! Ah, Instinto, e foi aí, nesse filme, naquele cinema, meu primeiro beijo.
Com o tempo o amor cresceu mais pelos filmes do que pelos beijos, e na estreia do primeiro Harry Potter eu me recusava a beijar meu namoradinho da época, porque eu queria prestar atenção ao filme. Tinha então 14 anos e fui fantasiada de aluna da Grifinória!
Desde então foram algumas mãos dadas nas salas escuras, beijos nos momentos menos interessantes (trailers e créditos), beijos roubados, mãos suadas, tentativas obcenas e, sobretudo, grandes conversas com os amigos após grandes e pequenos filmes.
E não apenas nos apaixonamos por pessoas no cinema, mas também pelos cinemas, que quando se vão deixam muita saudade. O Cine Vitrine da Augusta, onde vi Moça com Brinco de Pérolas com dois amigos durante as férias do ensino médio; o Gemini onde vivi grandes histórias em suas salas azul e vermelha e na bombonière. Ah, o Top Cine onde vi meu primeiro Truffaut (paixão a primeira vista), assim como meu primeiro Daniel Burman, e a mais recente perda, o Belas Artes. Desde o primeiro noitão de reabertura lá por 2002, quantos não foram os noitões? Meu último Wong Kar-Wai no meu lugar favorito, na última fileira, no meio, na sala 1.
E tudo isso é amor!