quinta-feira, março 06, 2014

Falsa boa ideia


Uma falsa boa ideia é, em suma, uma má ideia. E, além disso, muitas vezes, é uma uma ideia preguiçosa.
Esse é o caso da ideia de vagões exclusivos para mulheres em trens e metrôs, cuja discussão vai e volta aqui na cidade. Confesso que nem sei se tal discussão acontece nas instâncias que seriam responsáveis por sua implantação, só sei que desde que o Rio aderiu aos tais vagões, nas redes sociais e nos barzinhos da Augusta essa é uma possibilidade que vez ou outra se apresenta.
O fato é: no transporte coletivo super lotado algumas pessoas aproveitam para assediar mulheres. Solução possível: separem as mulheres.
Lindo lindo. Aviso nas plataformas em rosa, vagões rosas, pode até rolar uma distribuição de revistas de fofocas e de livros da Danielle Steel, né? Assim as mulheres estarão seguras e confortáveis livres da selvageria do macho humano que não consegue conter seu instinto natural de esfregar o pau na bunda alheia. Pronto. Resolvido.
E o que acontecerá com a mulher que se recusar a entrar no vagão especialmente separado para ela? O mesmo que já acontece com os idosos e deficientes que ousam exigir seu assento preferencial no vagão comum no horário de pico: será hostilizada. Afinal, se a mina entra num vagão só de machos é porque ela tá querendo, né não?!
Aí podiam aproveitar também e criar uns ônibus pro Parque Dom Pedro só para a mulherada. Afinal, o problema não é só no metrô não. No trabalho, a área do cafezinho também devia ser separada, shoppings exclusivos também cairia bem, shows, Lollapalooza, Rock in Rio, ruas fechadas só para as mulheres depois das 22h, todo lugar que tem aglomeração deve garantir a segurança das mulheres e não se fala mais nisso.
Que mundo maravilhoso seria esse. Ao invés de punir o desvio, institucionaliza-se o erro, já que inevitável pelo pobre homem sujeito a seus instintos animais. Assim, homens e mulheres estarão seguros. E não se fala mais nisso.
Faz-se campanha contra venda ilegal, mendicância, ficar parado na região das portas, jogar lixo no chão, e tá rolando até propaganda de remédio contra "piriri" no metrô de São Paulo (e eu achava que falar de caganeira em público fosse tabu), mas NUNCA se fez campanha contra o assédio e nunca se puniu os assediadores. Por que não falar do assunto? Por que não colocar avisos sonoros dizendo aos homens que se eles assediarem as mulheres serão punidos?
Ah, porque fica chato falar disso, né? Melhor não, melhor não. O homem trabalhador, coitado, cansado, voltando pra casa, ainda tem que ouvir esse tipo de coisa. Além disso, pode constranger mulheres cristãs e assustar criancinhas. Ninguém precisa saber que isso existe. Não façam alarde. Boquinha de siri!
As cabeças pensantes propõem os vagões separados como uma solução viável e redentora, e não propõem a discussão. Vamos resolver logo o problema, discutir não leva a lugar nenhum. Ótimo. As mesmas pessoas que são a favor do vagão exclusivo para as mulheres, pasmem!, falam do ataque à vítima em casos de estupros e são contra o "rosa para menina e azul para menino".

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Ninfomaníaca


Tinha vários apontamentos para fazer sobre o novo filme de Lars von Trier, mas como tenho problemas de memória e já faz um tempo que vi o longa, sem ter tempo para escrever sobre ele aqui, eis que me restam algumas poucas considerações.
O filme é misógino? Menos que "Anticristo" certamente. A própria postura de Joe é de ódio a si mesma e isso pode se confundir com a postura do filme, mas sempre é possível imaginar a posição da obra como colada ao do ouvinte, o misterioso homem que tenta consolar a culpa que Joe sente, tornando tudo leve e divertido em suas comparações com a pesca. Ele a respeita e ele a compreende. Isso não é misoginia.
Mais do que muito sexo, muitos paus e "sacanagem", o filme é lindo e pouco se falou sobre isso. As pessoas estavam tão pseudo-chocadas com o conteúdo que se esqueceram da forma, da trilha sonora, dos desenhos na tela, da ironia constante. Como rir de tamanho desespero que parece sentir Joe? Mas como não rir do "3+5=8"???
Mais do que misógino, "Ninfomaníaca" é, isso sim, moralista. Ao não permitir que Joe possa sentir alguma coisa com o homem que ela supostamente gosta, ele é moralista. Ao fazer com que Joe se apaixone justamente pelo homem com quem perdeu a virgindade, ele é moralista. Ao esvaziar o sexo de sentido ao ponto de poder ser comparado com a pesca, ele é, sim, moralista.
Não há novidades para os fãs, como eu, de Lars von Trier.