domingo, maio 18, 2014

O karaokê da Valesca

A curiosidade matou o gato. Movida por ela, eu fui ao show da Valesca Popozuda na Virada Cultural deste ano. "Beijinho no Ombro", com seu clipe à la Lady Gaga, é mesmo genial, a letra captou várias questões que a galera fala por aí, encheu a boca de muita gente e a batida é daquelas sob as quais é impossível não se mexer. Por que então não ir lá ver qual é a dela e quais são seus outros possíveis hits, não é mesmo?
Valesca não nasceu ontem, ela era a vocalista da Gaiola das Popozudas, dos "Agora sou solteira" e "Late que eu tô passando", além do clássico "Mama" com Mr. Catra, né? Pois então, esperava um show com muito funk para trabalhar os músculos das coxas.
E o que rolou foi o karaokê da Valesca. Sabe aquelas músicas que você adora cantar com a galera, já meio bêbado, naquela cabine na Liberdade? Pois é, a Valesca também curte e resolveu cantar o "Ilariê" da Xuxa e aquela do Balão Mágico com todo mundo!
Ela entrou gloriosa com muita luz e vento nos cabelos cantando um potpourri de "Agora sou solteira" e "Late que eu tô passando". Aí o tempo fechou e começou a chuva impiedosa, fazendo com que muita gente corresse para se esconder em lugares cobertos da redondeza. Eu fui para de baixo de um desses toldos que ficam meio fechados ali pertinho, continuei ouvindo, mas não dava mais para ver o palco.
O que se seguiu foi um setlist de karaokê, com direito a "Lepo Lepo" e, porque chovia muito, obviamente, o "bebeu água? tá com sede?", música que devia ser evitada depois daquele fatídico Rock in Rio com o Carlinhos Brown. Ah sim, a quarta música, devo lembrar, foi "Beijinho no Ombro". Aí voltou o karaokê... e "pro recalque passar longe" retornou como a penúltima música. A penúltima, sim, porque a última foi... "Beijinho no Ombro", com aquela estranha sensação de ter apertado o modo repeat! Depois disso, ouvimos a musiquinha do Titanic, sem entender nada e fim... silêncio.
Agora eu sei, pelos relatos de quem conseguia ver o palco, que, enquanto tocava a canção-tema do filme, Valesca agradecia seus fãs beijando o chão. Fez bem em agradecer quem ficou lá debaixo de chuva de granizo e vento forte para ouvir três vezes a mesma música, ainda que seja uma ótima música, em 30 minutos de karaokê-show.
Não dá para esquecer os momentos incríveis que esse tipo de espetáculo proporciona, como quando tocou pela primeira vez o hit e, sob chuva grossa, pessoas saíam correndo de baixo dos toldos pela rua rebolando e dando beijinhos nos ombros, enquanto u
m grupo de três pessoas, bem engraçado, encharcados dos pés à cabeça, debaixo de um único guarda-chuva, dançava animadamente.

quinta-feira, maio 08, 2014

Eu continuo a mesma, mas os meus cabelos...

Faça a seguinte experiência: quando em um vagão de metrô, no ônibus, no bar ou no trabalho, olhe ao seu redor e conte quantas mulheres existem. Agora conte quantas delas estão com os cabelos alisados artificialmente, seja por escova, chapinha ou "relaxamento". Continue fazendo isso, sei lá, quando estiver entediado. Qual vai ser a porcentagem média?

Fiz a experiência alguns dias e a média foi de quase 80%, ou seja, de cada 10 mulheres no meu campo de visão em um determinado espaço, assustadoramente 8 estão com os cabelos esticados. Por que não falamos do assunto? Não aguento mais ouvir sobre a "ditadura da magreza", ou da pressão que as mulheres sofrem para ter bundas e peitos grandes, mas a quem interessa que não falemos sobre a aparente obrigatoriedade de se ter cabelos lisos?

As mulheres da luta contra o racismo têm feito campanhas na internet a favor do cabelo crespo e atacando as denominações do tipo "cabelo ruim". Outro dia deu o maior bafafá o comentário do Faustão sobre o cabelo de uma dançarina. Mas não são apenas as mulheres negras que têm cabelos crespos. Cadê toda essa mulherada?

Quando eu era criança, ou pré-adolescente, eu fazia coisas mirabolantes para garantir que me
cabelo ficasse liso. Prendia-o ainda molhado bem apertado para que quando secasse ficasse esticadinho. Puxava, puxava e puxava com a escova e botava para trás da orelha. Enrolava aquelas escovas redondas e tacava o secador. Ou seja, quebrei meu cabelo pra caramba simplesmente para garantir que ele não formasse cachos e eu fosse "normal". Afinal, na escola, as garotas com cabelos crespos eram hostilizadas e recebiam apelidos, como Cassandra (sim, do Sai de Baixo, ainda que ela tivesse o cabelo liso com laquê) ou bruxa.

Fatalmente aquelas crianças tinham em casa exemplos de mulheres que passavam suas manhãs ou noites debaixo de ar quente e puxação dos fios para terem os cabelos lisos. E que, ao fim de tanto esforço individual ou da cabeleireira, passavam dias sem lavar as madeixas e corriam desengonçadamente com sacolas na cabeça para fugir da chuva (isso na Terra da Garoa).

Outro dia um desses programas que querem nos ensinar o que comer, o que vestir e como malhar, mostrava os malefícios de alguns métodos para alisar "definitivamente" os cabelos (pelo menos até que, maldito, ele cresça de novo). Porém, ao longo da programação daquele canal não se vê sequer uma apresentadora ou jornalista de cabelos crespos, não que elas não os tenham, mas porque elas também tiveram que passar por processos danosos para garantir a "boa aparência".

Não importa se a moda é franja, chanel, jogadinho de lado ou farrah fawcett (aliás, nada disso dá certo para cabelos crespos), loiro, ruivo ou chocolate, a "moda" dos cabelos lisos já está durando tempo demais e estragando para sempre lindos cabelos que agora vivem quebrados, ressecados e rareando em cabeças esquentadas a altas temperaturas para garantir uma "normalidade".

"Cabelo crespo dá muito trabalho"? Mano! Acredite: dá mais trabalho ficar alisando, secando, hidratando e não lavando, e sofrendo por um padrão bobo que sabe-se-lá-quem inventou. Piaçava, cabelo de bruxa, vassoura, ruim, selvagem. Não estou nem aí. Boto o meu para fora de casa. Meu cabelo não é ruim, ruim é seu preconceito. Ainda tenho muita "história pra contar, de um mundo tão distante."