terça-feira, agosto 21, 2007

::Vício novo::







The Bubble e a representação de relacionamentos homossexuais no cinema


"Eu me recuso a aceitar que um indivíduo possa ser identificado com e através de sua sexualidade." Michel Foucault

Considerar uma relação homossexual (pois já me convenci de que as relações é que são homos ou heteros e não as pessoas nelas envolvidas) diferente de uma heterossexual pode ser uma interpretação do espectador ou a premissa da qual partem muitos realizadores de filmes ao escolherem retratar uma relação amorosa. De qualquer forma, para mim, é um erro comum e por isso alguns filmes me parecem abomináveis.
Existem os clichês dos filmes de relacionamentos gays e muitos deles se encontram no começo da relação, o que há é a não escapatória, o relacionamento se dá pois não há o que se possa fazer, e aqui entram os dois caubóis de Brokeback Mountain. Tive a impressão de que eles transaram simplesmente porque estavam lá, no "middle of nowhere" de uma propaganda da Marlboro, há meses sem sexo, "à perigo" como se diz por aqui, e é capaz que transassem até com um cavalo, o filme foi mal sucedido em tentar me convencer de que aquilo era amor, de que aquele filme era diferente, de que aquilo, enfim, não passava de uma farsa hollywoodiana, até a voz deles era farsesca.
O outro clichê do começo do relacionamento é tecer um dos personagens como o mais 'propenso' e mais interessado e que vai 'corromper' o outro, mais tolinho, um exemplo é Meu amor de Verão. A menina rica é culta e engenhosa, lê Nietzsche e ouve Edith Piaf, a menina pobre tem problemas com o irmão que a acha 'vagabunda' e não é lá muito instruída, é ela, é claro, que vai se ludibriar pela menina rica, o amor de admiração, o amor pelo que se gostaria de ser, até descobrirmos que as duas não são lá muito confiáveis, são mentirosas e de imaginação um pouco fértil demais, como se o relacionamento tivesse se tornado possível por seus distúrbios comportamentais.
Poderia passar páginas e mais páginas falando de filmes que deturpam totalmente a idéia de relacionamentos gays, mas esse post é dedicado a um filme que vai além dos clichês e emociona, por isso gostaria de citar outros como ele.
O recente C.R.A.Z.Y. trata da descoberta do mundo por um adolescente que não se contenta com a idéia socialmente difundida de que homens devem se relacionar com mulheres e vice-versa e apenas, ele quer mais e isso o confunde, como ir além daquilo que a sociedade nos impõe? Como lidar com o fato de quando criança ter preferido brincar de bonecas, sendo menino, à jogar bola? Como aceitar o fato de ter gostado mais de sexo com um homem, sendo também um homem, do que com uma mulher? Mais do que trabalhar em cima de um relacionamento C.R.A.Z.Y. é sobre um conflito pessoal, uma fase de aceitação do que se é a despeito do que os demais são.
Imagine você e eu é um filminho mamão-com-açúcar, melado, comédia romântica de Sessão da tarde e por isso me pareceu genial. Usar uma fórmula já bem difundida, bem absorvida e bem comum, digamos, como é a comédia romântica 'típica', para falar de um amor entre duas mulheres acaba se tornando uma inovação. Sempre senti falta disso, de um filme que falasse de amor entre mulheres ou entre homens como se fala de amor entre um homem e uma mulher, porque de fato não há diferença entre eles, mas parece que ninguém nunca tinha feito isso, eu pelo menos nunca tinha visto, por isso o filme é bem-vindo.
Antes dele o que mais se aproximara do 'não-exagero' fora Assunto de Meninas, tradução de Lost and Delirious, através do qual vemos o sofrimento de quem ama aquele que não aceita seu amor. Paulie e Tori namoram, estamos convencidos que o amor é mútuo e verdadeiro entre elas, até que Tori resolve largar Paulie por um cara e continuamos convencidos de que ela fez isso puramente por uma imposição social, seguimos então, de perto, a dor de Paulie em toda sua sensibilidade, até explodir, não no final, mas na cena da valsa, com "River Waltz" do Cowboy Junkies ao fundo.
E falando de música é que chego ao mote do texto: The Bubble, o novo filme de Eytan Fox. Para quem viu Delicada Relação outra tradução infeliz das que abundam nos cinemas daqui, a mudança é drástica, não só do conteúdo mas mais da forma, agora o diretor se mostra mais maduro e mais corajoso, se é que é possível ser mais corajoso do que já tinha sido, considerando seu país e seu tema, foi possível sim. O que vemos agora é uma mistura de influências musicais e cinematográficas, do mais 'indie' ao mais pop, desde 'Israel Idol' (o American Idol de lá) até Jules e Jim passando por Britney Spears, Bent (a peça de teatro) e Bebel Gilberto, sem esquecer da semelhança entre a loja de discos de lá e a de Alta Fidelidade. Misture a isso um israelense judeu recém-saído do serviço militar se apaixonando por um palestino muçulmano, ataques terroristas, tiros, bombas, canções de amor, fortes amizades, raves pela paz e mesmo assim você precisa ir ao cinema para ter uma idéia do resultado. Numa sessão do filme seguida de conversa com o diretor e com o ator principal tudo o que eu queria dizer era "Parabéns caras!" e ficar lá, em estado de graça, ouvindo o que eles tinham para falar, acho que as congratulações foram entendidas pelos dois após alguns minutos de aplausos e pelas lágrimas presentes nos olhos de todos, jovens, idosos, judeus, ateus, israelenses, brasileiros.
Eu sou totalmente fascinada por filmes sobre o 'conflito-eterno' entre Israel e Palestina, lembro-me de que era o meu assunto favorito nas aulas de geografia, eu sabia as datas e os porquês de cada conflito, de cada tomada de território, de cada invasão, se bem que não haja mesmo verdadeiros 'porquês'. Para alguém que vive em São Paulo, onde todos parecem conviver tão bem, uma cidade na qual podemos almoçar sushis e jantar macarronadas, na qual a miscigenação corre na veia de quase todos, aliás, vi um documentário chamado Cosmópolis, muito bom sobre a cidade e essas questões, ver aquela guerra sem fim é um desafio à compreensão, é um exercício constante de projeção e por isso me interessa tanto. A idéia de vingança corre solta no ar da região e vemos isso em muitos filmes sobre a questão, assim que há um atentado em Israel há uma represália na Palestina e vice-versa, e de represália em represália eles andam em círculos há anos, isso fica bem claro em The Bubble, apesar de ser uma parcela pequena dentro do filme.
O que distancia tanto o filme de Eytan Fox dos demais filmes sobre o Oriente Médio é que ele não é sobre isso e sim sobre a juventude, sobre seus anseios, amores e problemas existenciais, apesar do contexto peculiar, podemos nos reconhecer nos personagens, dialogar com eles, ter a sensação de que conhecemos pessoas novas ao final. O filme é sobre o amor, a amizade, os gostos pessoais, o distanciamento e o engajamento político, e é também, sim, sim, sobre o conflito Israel-Palestina.


::Divagações no Escuro::

A decepção com Little Children

A sutileza é uma das primeiras virtudes que um filme deve ter se não quiser tratar seu interlocutor como um idiota, por isso nos sentimos mais confortáveis ao ver Réquiem para um sonho do que Diário de um adolescente, por exemplo, deixando de lado, é claro, a criatividade de cada um. Se o filme tem uma tese a ser provada esta não precisa ser argumentada à exaustão para ser compreendida, se você tem em suas mãos um instrumento como o cinema, com suas possibilidades audiovisuais, no qual você pode trabalhar seus argumentos através de palavras e imagens, por que tratar tais possibilidades como se fossem deficitárias em si quando o que falta é criatividade a você? Essa é a pergunta que nos fazemos muitas vezes ao ver um filme.
Pecados Íntimos, tradução infeliz de Little Children, carrega a tese de que os adultos é que são, na verdade, infantis. Certo. Boa tese. A ver como se desenvolve. O filme faz uso de meios extremamente 'didáticos' para provar sua tese, tão didático que o filme mesmo se torna infantil e parece tratar-nos como crianças. Bom, se a tese é 'todos os adultos são infantis', então ela se comprovou já que os realizadores se mostraram infantis e endereçaram o filme a pessoas, no caso, adultos, também infantis. Aplausos então.
Posso estar enganada, mas vindo de onde veio acho que a intenção do filme não era bem essa, pelo menos não foi muito convincente e é por isso que ele decepciona, é fraco e superficial. É um ultraje ligar a infantilidade de personagens com o fato de não trabalharem fora, ligar seus fetiches pessoais a perversões, mais uma vez Hollywood tenta fazer um filme diferente e esbarra no velho american way of life e no puritanismo, acompanhado, é claro, de um certo determinismo social.

Um filme, uma frase

Ascensor para Cadafalso - É, eu gosto mesmo de filme francês e em preto e branco.
Nas profundezas do mar sem fim - Por favor, acabe logo, me livre desse sofrimento.
Cine-olho - A vida como ela era... na Rússia... na década de 20.
Dália Negra - Cada filme que passa eu gosto mais desse Brian de Palma.
Os Conquistadores - Lang no Far Oeste.
Ensina-me a viver* - Ensine-me a viver!
O Segredo da porta fechada - Num suspense de Lang eu fico com medo.
O samurai do entardecer - Delicadeza, sutileza, beleza, arigatô.
Filhos do Paraíso* - Que paraíso?
Pequena Miss Sunshine* - De perto ninguém é normal.
Lucia e o Sexo* - Não sei se quero mais Lucia ou mais sexo.
Deu a louca na Chapeuzinho - Poderia ser pior?
Amar e Dançar* - O clichê do filme de dança elevado a um novo patamar.
Procura-se Amy* - Tudo sobre minha vida.
Estamira* - Como o trocadilho, ao contrário, permitiu que as pessoas rissem nesse filme?
The Wind - E o vento levou a virgindade...
Bonecas Russas - Louco, tresloucado, amalucado, divertido e bem-feito.
Em Busca do Ouro - Um clássico é um clássico.
Waking Life* - Até agora a luz não acendeu.
Jornada da Alma - Os psicanalistas também amam.

*talvez recebam mais do que uma frase.

::A pergunta que não quer calar::

Por que eu demoro tanto para escrever?

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