Outro dia saiu no jornal uma reportagem sobre os dez anos de publicação de blogs em português, lembrei-me então dos vários blogs que mantive desde junho de 2003, mês de meu primeiro post. Decidi então vasculhar os meus blogs, procurar os melhores textos e publicar aqui também. Aí vão eles.
Em terra de analfabeto, Paulo Coelho é rei!
Estou afadigada, aplastada, bombardeada, combalida, consumida, desgastada, embotada, enfraquecida, esfalfada, esfandegada, esgotada, estafada, exaurida, exausta, extenuada, fatigada, lassa, moída, pregada, quebrada, quebrantada, cansada!
Estou cansada do verde-amarelismo confundido com patriotismo que nos assombra a cada quatro anos, estou cansada da ignorância mantida e desejada por todos, alimentada pela falta de instrução, pela novela das oito, das sete, das seis, das cinco e meia, estou cansada do futebol como meta na vida, estou cansada do ser-mulher-de-jogador-de-futebol-ou-qualquer-ricaço como meta na vida, estou cansada, cansada, cansada dos esteriótipos de magra-bunduda-peituda-cabelo-longo-liso, de bombadinho-saradinho-sem-pêlo-loiro-dos-olhos-azuis, de cabeças vazias, estou cansada de setas que têm a pretensão de me dizer de que lado devo andar na calçada para evitar trombar com o-outro-tão-indesejável, para evitar que eu perceba que outros existem, estou cansada de cancelas que delimitam e me apertam como gado ao entrar no matadouro apenas para "conter" a multidão ao entrar em seu meio de transporte, estou cansada da sensação de que tudo o que o Estado concede, é isso, uma concessão, por piedade e não por ser seu dever, estou cansada de ter o dever de votar e não o direito de votar, estou cansada, cansada, cansada de ouvir os mesmos discursos-vamos-enganar-nossa-população-mantida-por-nós-ignorante-e-faminta, desse espetáculozinho particular que são as eleições, estou cansada dessa política do pão-e-circo-sem-muito-pão da Copa Mundial de Futebol, estou cansada de decretos escrotos que oficializam a caipirinha como bebida oficial do Brasil enquanto o açaí é patenteado no Japão, estou cansada da falta-do-que-fazer, estou,sim,continuo,cansada do país do carnaval, do futebol onde tudo é permitido para o gringo ver, onde todos arreganhamos as pernas para o gringo ver e quando ele vai embora, depois da quarta-feira-de-cinzas voltamos a ser o país de terceiro mundo que ainda tem hanseníase, o país hipócrita-cínico-falso-puritano, estou cansada de ver putaria e aos domingos ver igrejas cheias, estou cansada dos domingos na televisão burrificante, estou cansada, cansada, cansada de Faustão-Gugu-Galisteu-Bernardes-Bonner-Casseta-Planeta-Zorra-história-sem-fim, estou cansada da Academia Brasileira de Letras, da Câmara, do Senado, da Granja do Torto, estou cansada do analfabetismo crônico, estou tão cansada, cansada deste texto cansativo e eterno, cansada...
Postado no "Sem Conhecimento de Causa" a 01/06/2006.Na frente de batalhaNa velha e eterna guerra "shakesperiana" entre a razão e o coração, quem tem de se render? O mundo capitalista competitivo está nos transformando em indivíduos cada vez mais egoístas, menos dispostos a nos perder de amor. Terá terminado a época de fugir pela janela do quarto numa corda de lençóis para viver com o príncipe encantado? Terá sido alguém feliz assim? Do que abdicamos, quais grandes esforços somos capazes de fazer por amor? Amor de amigo, amor de pai, amor de mãe, amor de amante... lutam contra o orgulho, egoísmo e a correria do dia-a-dia.
O amor próprio deve superar o amor ao próximo? Até que ponto a razão é puro amor próprio? Humilhação é algo muito relativo, o que pode me humilhar pode apenas deixá-lo "sem graça", pode o amor ser humilhante? Renunciar a seus princípios por amor é se humilhar? Há aqueles que mudam de religião, os que mudam de país, obstáculos diversos estão entre a idealização e a realidade entre duas pessoas, há os que os enfrentam e há os que desistem.
Os seres humanos somos animais racionais, será a "voz do coração" um instinto ou uma racionalização dos sentimentos? Ao tomar uma decisão, o que deve vencer na balança? Qual voz ouvir?
Postado em "Futura Astrônoma" a 10/10/2004.
Exorcizando Fantasmas
Muitos dos nossos fantasmas nos perseguem vez ou outra. Mas e quando se vai atrás de seus fantasmas?
Pensando exorcizá-lo, persegui meu fantasma, mas não adiantou. A respiração ficou pesada, o coração bateu mais rápido: pior do que aparecer um fantasma para você é você aparecer para seu fantasma. Será que fiz eu o papel de assombração? Será que sou eu também um fantasma? Um fantasma de meu fantasma?
À distância suas formas pareciam diferentes das de anos atrás, sim, meu fantasma parecia mais forte. Ele vem se aproximando, eu não me mexia, tentava esboçar um sorriso, mas é difícil quando uma assombração se aproxima tão rápido.
Oi!
Enfim, suas feições eram as mesmas, as palavras, a entonação que dava a elas, o jeito de entortar mais um dos cantos da boca, sim, meu fantasma ainda era o mesmo, e aí está o problema: sendo o mesmo, continua a ser fantasma, meu, minha assombração.
Como São Tomé, precisava ver para acreditar, quis ver para acreditar que o fantasma havia se esvaecido, exorcizá-lo mesmo, tirá-lo de minha cabeça, fazer uma sessão de descarrego.
Mas, confrontando-me a ele, que surpresa, continua tão assustador quanto antes, muito antes, muito assustador. Prestei atenção a cada detalhe, de cada palavra a cada músculo de seu corpo de lençol branco com dois furinhos para os olhos. Olhei bem. E depois fugi!
Postado em "Novela das Oito" a 02/12/2006.Pans and the CityFrases ditas, músicas dançadas, beijos dados, desejos consumados... amores consumidos.
Quando o doce acaba, ainda há o "resto" na panela, que precisa ser raspada, lavada. Assim vão-se os amores - os ou o?- a calda, o recheio, mas fica sempre aquela "sujeirinha", o incômodo, o "e se...?".
"E se eu não tivesse terminado? E se ele não tivesse terminado? E se eu não descobrisse a traição? E se ele me amasse?" E, assim, sofremos por um futuro que jamais viveremos, simulamos reações, ações, que jamais acontecerão. Lembranças dos bons momentos, das brigas, dos "eu te amo", dos "eu te odeio", de um passado ao qual jamais retornaremos.
Jamais, não é tão ruim quanto nunca, apesar de significar a mesma ausência de esperança. Juramentos são cheios de "jamais" e o amor é cheio de juramentos. Todos esquecidos quando se quer raspar a panela, quando, aparentemente, o amor acaba.
Eu preciso esquecer das juras, dos jamais, dos "e se...?", das lembranças. Quero experimentar uma nova receita, enquanto você se lambuza com sua novidade. E eu, ingênua, acreditando na inesquecibilidade do amor, sofrendo seus sintomas. E eu, arrogante talvez, crendo ser insubstituível.
A frase precisa sair desses lábios cerrados, de uma vez por todas, ser gritada, chorada, implorada:
- Farei com você o mesmo que fez com nosso amor: ESQUECER!
Postado em "and the City" a 02/03/2005.