domingo, setembro 14, 2008

::Divagando no Escuro::


My Blueberry Nights (Um Beijo Roubado)


"I don't know how to begin
'Cause the story has been told before
(...)
I guess it's just how it goes
The stories have all been told before"

Algo meio vermelho, meio marrom, de uma textura que remete a órgãos e sangue, ocupa a tela e vai sendo invadido por um líquido branco. Pensamos em aguma coisa nojenta, e que vai se revelar deliciosa, ou pelo menos parece, já que saímos do cinema com vontade de comer tortas de blueberry. Surgem então as letras típicas dos filmes de Wong Kar Wai, que se tornaram familiares a nós, como a fonte dos filmes de Woody Allen. No fundo, uma música hipnotizante na voz de Norah Jones.
E o que se segue é um filme "a la" Kar Wai.
Não sei se é porque o filme é falado em inglês e os atores não são chineses, mas tive a impressão de ser ele uma auto-paródia. Lembro do filme Inferno feito "a la" Kieslowski, em homenagem ao diretor, usando um roteiro escrito por ele. Porém, sabemos que My Blueberry Nights foi dirigido por Kar Wai, então por que o filme parece não "descer" tão bem? De onde vem o estranhamento?
Várias, senão todas, das marcas estilísticas de Kar Wai estão presentes aqui, mas como se houvesse uma certa artificialidade, um exagero nos próprios temas e uma superficialidade naqueles que seriam menos do agrado de um público acostumado ao cinema hollywoodiano. O "happy ending" não está em seus outros filmes, que nos deixavam sempre um tanto consternados, mas aqui estão sob evidência o trem, as histórias de vários personagens que se cruzam, a impossibilidade amorosa (o pote de chaves é tão simbólico quanto comer latas e latas de abacaxi em calda ou limpar o apartamento de alguém às escondidas), os relógios e o tempo que se arrasta, os bares noturnos, as lanchonetes, a loira descolorida (sem peruca dessa vez).A escuridão, os ambientes fechados, a noite, o andar das mulheres, a ênfase em seus sapatos e suas saias abaixo do joelho. Isso tudo é Kar Wai. Há, inclusive, uma cena em que Norah Jones está sentada e acima dela há um relógio de parede, ao lado um telefone, e que lembra uma cena semelhante de 2046.
Há elementos que podem ser remetidos a todos os outros filmes de Wong Kar Wai, e isso talvez seja um ponto positivo, talvez faça desse filme sua obra mais depurada, a mais autoral.
Mas nem Jones, nem Weisz conseguiram passar o charme de atrizes como Maggie Cheung, e o que mais faz falta é um personagem realmente marcante. A fotografia é magistral, as falas, o filme é belíssimo (não mais do que 2046), mas nenhum dos personagens consegue ser marcante, forte o suficiente como os dos filmes anteriores do diretor, e talvez os mais convincentes sejam mesmo o policial e sua ex-esposa.


Não há o fim pessimista, típico de Kar Wai, já que o amor é possível entre Jones e Judi Law, mas nem por isso a cena final deixa de ser linda...os dois beijando-se deitados sobre o balcão e a câmera vendo-os de cima, as cabeças e os ombros que se encaixam perfeitamente. Essa cena, inclusive, lembra muito a cena final de Confiança (Trust) de Hal Hartley.






As tortas de blueberry terminam os dias completamente intocadas, não que elas não sejam gostosas, mas nas escolhas feitas pelos clientes, elas acabam sobrando. Norah Jones come essas tortas todos os dias como um ritual para se livrar de um amor mal sucedido, um ritual como o de comer abacaxi em calda que tenham a mesma data de validade,como faz o personagem de Amores Expressos. E a trilha sonora continua maravilhosa, com destaque para "Yumeji's Theme (Harmonica Version)" de Chikara Tsuzuki e Shigeru Umebayashi.

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