quinta-feira, agosto 04, 2011

On a le droit, on n’a pas le droit

Sendo babysitter de duas crianças francesas durante poucos meses pude aprender muitas coisas da cultura francesa, já que vi de perto a educação de crianças de uma família da classe média parisiense. Às vezes parecia que o menino de 4 anos e o outro de 8 anos eram mais educados do que eu, no sentido disciplinar. Já tinham me avisado aqui no Brasil que as crianças francesas não dizem “Minha mãe deixa isso, minha mãe não deixa aquilo” ou “Eu posso isso, eu não posso aquilo”, mas sim: “Tenho o direito a fazer isso, não tenho o direito de fazer aquilo”. Curioso, não?
E era exatamente assim! Eu me lembro de uma esquina que atravessávamos sempre na volta da escola, eu de mãos dadas com o garoto menor, e, por vezes, não vindo nenhum carro no sinal aberto, eu, paulistana da gema, fazia menção de atravessar, ao que o garoto dizia: “Le petit bon homme est rouge, on n’a pas le droit” (O homenzinho está vermelho, não temos o direito [de atravessar]), e eu, corava, confesso! Eles sempre diziam nesses termos, por exemplo, que não tinham o direito de ver televisão durante a semana, que não tinham o direito de comer Nutella no lanche da tarde, essas coisas. Tem também uma frase típica da educação francesa: “touche pas mon pipi”; mas essa fica para outro dia, pois ouvi histórias ótimas sobre isso por lá.
Enfim, mas por que falar disso agora? Na verdade, o que me levou a pensar nisso não foi nada sobre crianças ou sobre a França ou sobre Paris, mesmo que esses últimos dois não saiam um segundo da minha cabeça. Bom, ouço diariamente os programas do jornalismo da rádio EstadãoESPN, que, na minha opinião, veio salvar a FM com programas bem feitos e muito interessantes. Alguns desses programas, os meus preferidos, fazem perguntas no ar para os ouvintes responderem por SMS ou twitter, e gosto de participar quando a discussão é quente (uma vez discuti com um deputado muito do safado sobre lei que obriga os restaurantes a divulgar valor calórico de todos os pratos, mas isso também fica para outro post).
          Dia desses, após manifestações de sindicatos na Av. Paulista e na Av. Pacaembu, a pergunta era: “Você acha que essas pessoas tem o direito de fechar vias da cidade para se manifestarem?”. Quem me conhece pode imaginar a cara que fiz na hora, aquela minha cara que vem acompanhada do grito “Manooooooo!”. Está tudo errado, sobre direitos eu não tenho que achar se as pessoas têm ou não, direito ou se tem ou não se tem, não sou eu que vou achar se alguém tem ou não, e outra, e foi o que respondi por SMS, até onde eu saiba todos temos o direito de livre reunião, greve e expressão, ou não? Essas pessoas quem, cara pálida? E é aí que cheguei aos meninos franceses de quem sinto tanta falta: eles tinham a exata noção de seus direitos. Ok, concordo, são muito mais simples do que nossos direitos como cidadãos, já que são direitos e deveres impostos pelos pais, mas, até que ponto é falha nossa e até que ponto é falha do Estado o fato de não sabermos exatamente quais são nossos direitos e nossos deveres? Sem ladainhas sobre as falhas na educação pública, por favor. Por que no Brasil a própria ideia de direito é tão confusa a ponto de uma rádio séria com funcionários esclarecidos (assim me parece) fazer uma pergunta dessas? E outra, existe por trás disso uma noção que ninguém pode negar que exista entre nós: a noção de que temos poderes de colocar e tirar os direitos dos outros pela nossa simples opinião egoísta. Explico: confundimos muito o fato de gostarmos ou não de alguma coisa com o poder de questioná-la a ponto de negá-la a alguém, isso sem maiores discussões e sem levar em conta a sociedade e a democracia. Na pergunta da rádio há essa confusão, se você se sente incomodado por estar parado no trânsito por conta da manifestação que toma a Av. Paulista você pode questionar o direito do outro, pelo simples fato de você perder minutos a mais no trânsito você pode duvidar de um direito tão importante quanto o da livre reunião e manifestação. Se eu acho que eles tem o direito? Eu não acho, eles tem, e eu também, e ponto. Se eu gosto ou não, aí é que se pode perguntar. Se o fato de uns gostarem e outros não deve mudar o direito, bom, foi aí que entrou o gosto dos militares, né?

Um comentário:

Nicole disse...

Espero que você engrene agora de vez. Aí eu posso divulgar os seus textos sensacionais.

Eu também passei por poucas e boas na Alemanha. Quando eu tava com um adulto e ia botar o pé na rua com um farol vermelho, ele virava para mim "NÃO! TEM CRIANÇAS!". Quando não tinha criança, tudo bem =)
Esses alemães transgressores...