quinta-feira, fevereiro 11, 2016

Clube de leituras secretas

Na minha turma de amigos de quando eu estava no ensino médio trocávamos livros, alguns, secretamente. De quem escondíamos esses livros e por que? 

Eu nem me lembrava mais disso, ou pelo menos não pensava nisso há tempos. Foi "Carol" que me fez lembrar desse clube de leituras secretas. O clube em si não era secreto, trocávamos livros abertamente, coisas como o novo "Harry Potter" e, lembro, rolou até aquela imitação fajuta do Harry chamada "Artemis Fowl".

Mas dentro desse esquema de um-compra-e-empresta-pros-outros alguns livros corriam de mão em mão sem que alguns outros do grupo soubessem, e líamos, em casa, nos esforçando para que nossos pais também não soubessem. E eu digo corriam porque líamos muito rápido mesmo. Aquela coisa: estudantes, não trabalhávamos, chagávamos em casa e passávamos a tarde toda lendo, às vezes nem dormíamos, se o livro fosse bom, e, assim, no dia seguinte, o livro já estava com outra pessoa.

"Carol", no qual o novo filme de Todd Haynes é inspirado, de Patricia Highsmith, foi um desses livros. Eu comprei num sebo por R$ 7 (ainda há o preço escrito a lápis na primeira página), li, sublinhei loucamente, e depois repassei pros amigos. Ele voltou para mim e recorri a ele quando vi que, uau, alguém o filmaria.



Até então, talvez porque fosse um desses livros do clube, eu achava que só eu tinha lido esse livro. A diferentona. Ninguém nunca tinha comentado esse livro, nunca via ele vendendo nas livrarias, todo mundo só falava de "O Talentoso Ripley".

Outros livros dos quais me lembro desse clube de leitura são "Hell - Paris 75016", da Lolita Pille, "Cem Escovadas antes de Ir para a Cama", de Melissa Panarello, e "O Terceiro Travesseiro", de Nelson Luiz de Carvalho. O que todos eles têm em comum?

Esses livros falam de descobertas sexuais. Dos quatro, "Carol" é o menos explícito, e o mais antigo também, dos anos 50.

Lembro que "Cem Escovadas" era bastante explícito e descritivo. Inclusive, lembro que, como a edição era minha, eu emprestei para minha avó -eu não me esforçava tanto quanto meus amigos para que meus pais não soubessem o que eu estava lendo, já que meu pai tinha me dado "Admirável Mundo Novo" para ler quando criança, eu achava que tudo bem ler sobre sexo. Eu já estava ligada, à época, que ela lia esses Sabrinas de banca de jornal. Quando ela me devolveu, disse: "Nossa, tem coisas aí das quais eu nunca tinha ouvido falar". Nem eu vó, nem eu.

Esses livros eram as nossas Playboys. Mais: no caso de "O Terceiro Travesseiro" e "Carol", eram nossa conexão com o mundo homossexual numa época de internet incipiente. Esses eram ainda mais secretos, eles não só tratavam de sexo, eles tratavam da descoberta homossexual. Eles e o CD da dupla russa "t.A.T.u", que era sensação entre algumas de minhas amigas.

A descoberta sexual numa escola católica de classe média alta conservadora não era moleza, e, quando essa descoberta era marcada pela orientação sexual diferente da norma daquele ambiente, era ainda mais pesado. E esse era o nosso jeito, o jeito nerd que éramos, de aguentar o tranco.

Lembro de imaginar as festas de Lolita, o cara da moto de "Cem Escovadas" e, é claro, de sonhar com Carol. Agora vê-la encarnada na figura de Cate Blanchett é um choque imenso naquela adolescente que eu fui e que se sentia tão deslocada quanto Therese na vida.

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