terça-feira, agosto 02, 2016

Primeira infância

Aos 11 anos, eu acreditava piamente que aos 18 anos eu seria uma adulta e viveria o que, naquele tempo, eu acreditava ser uma vida adulta, ou seja, moraria numa casa que não fosse a dos meus pais, sozinha, pagando minhas contas e trabalhando. Eu devia ser muito ruim de contas então. E ruim de realidade e conjuntura.
Aos 18 anos, eu estava começando, pela segunda vez, o primeiro ano de faculdade, após abandonar o curso que escolhi aos 17. Morava na casa dos meus pais e não tinha nenhuma fonte de renda, é claro.
Levou mais dez anos até que eu pudesse ser capaz de bancar uma casa sozinha e pudesse, assim, sair da casa dos meus pais e pagar minhas contas. Mas e a vida adulta?
Eu não percebi em que momento a minha ideia do que é ser adulta e viver uma vida adulta mudou, mas a verdade é que agora, prestes a completar 29 anos, trabalhando todos os dias, num emprego com carteira assinada, décimo terceiro, férias, recolhendo impostos, declarando IRPF todos os anos, eu não sei o que é ser adulta. Eu não faço a menor ideia do que é ser uma pessoa adulta.
Eu não consigo me olhar no espelho e achar que sou adulta. Não consigo andar na rua e me perceber como adulta, olhar minhas roupas no armário e pensar que sejam roupas adultas.
O estranho é que eu consigo olhar para algumas pessoas e reconhecer nelas um adulto, mas pensando muito bem, não sei o que nelas me diz que sejam adultas.
Eu passei mais de 20 dias na China, sozinha, e não achei nem por um segundo que eu fosse adulta.
Aos 22 anos eu me mudei para a França por uma temporada. Foi a primeira vez que andei de avião na vida, de mala e cuia e cadernos e livros para um país desconhecido. Visto, abertura de contas no banco, cozinhar, lavar, limpar, deitar na cama numa casa sem uma família, sem uma mesa de jantar, sem uma televisão com o jornal das oito. E eu não achei que fosse adulta.
Eu lavo meu banheiro, minhas roupas, estendo, recolho, dobro, guardo, faço feira, vou ao mercado, compro flores, arrumo a casa, pago aluguel, pago a terapeuta, checo a data de validade, passo o crachá na firma, pago almoço com Sodexo, tenho plano de saúde e carteirinha do SUS, uso óculos para ver letras miúdas de perto, assisto à novela das nove. O que falta para ser adulta?

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