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1970
Foto: Balthasar Burkhard
Muitos filmes para comentar, muito para desabafar... MAS... muitos textos para ler, muitas dissertações para escrever. Volto já!
Gilles Deleuze em Apresentação de Sacher-Masoch, ensaio introdutório de Vênus das Peles de Masoch - cujo original pode ser encontrado no Domínio Público, esse livro está esgotado há anos - pretende desfazer um enorme engano: o sado-masoquismo. O sadismo e o masoquismo não são a mesma coisa, não são diferentes faces da mesma moeda, aquele que faz sexo com o sádico não é o masoquista e vice-versa.
Propondo uma leitura crítica e uma clínica de Sade e de Masoch, Deleuze fala de suas originalidades artísticas e dos mecanismos próprios dos desvios por eles descritos e deles emprestados pela psicanálise, livrando-os do título "pornográficos", o que eles fazem na verdade seria "pornologia" já que em seus textos a linguagem erótica "não se deixa reduzir às funções elementares de comando e de descrição".
Em Sade o raciocínio é uma violência, e os violentos são rigorosos, serenos e calmos; o sádico é demonstrativo, impessoal. Deleuze fala do "espinosismo de Sade", no seu espírito matemático característico de seu naturalismo e mecanicismo, de sua razão demonstrativa. Já Masoch, em sua imaginação dialética, seria platônico.
A possessão é a loucura do sadismo, e para isso precisa das instituições, enquanto o masoquista precisa das relações contratuais para sua loucura própria, o pacto. Tal pacto é necessário para a vítima que busca seu carrasco, ela precisa convencê-lo, persuadi-lo e formá-lo, fazer com ele um acordo, uma aliança, e é a vítima que fala através de seu carrasco, que na verdade nada mais faz do que aquilo que a vítima deseja.
As "revelações" de Freud sobre o papel dos pais na formação sexual até hoje me parecem um pouco chocantes, é difícil encarar certas coisas, e é aí que o texto de Deleuze fica mais interessante ainda, na análise psicanalítica do sadismo e do masoquismo. É pela união sodomita com o pai que as heroínas sádicas se formam, numa união contra a mãe, no masoquismo, ao contrário, quem é negado é o pai, quando o masoquista apanha não é o pai que bate e sim é o que há de pai nele que é surrado e assim anulado.
Como sempre nos textos de Deleuze a conclusão é brilhante, ele enumera onze pontos que resumem seu ensaio e que, de alguma forma, provam o "monstro semiológico" que é o sadomasoquismo. O sétimo diferencia o estetismo de Masoch do antiestetismo de Sade e o nono ponto, sobre a psicanálise, deixa claro que o que triunfa no sadismo é o superego e a identificação, enquanto no masoquismo é o ego e a idealização. No último ponto Deleuze retoma o que crê ser a diferença mais radical entre os dois, a apatia sádica e a frieza masoquista.
Por mais que eu escrevesse, um blog não é necessariamente o local ideal para fazer uma dissertação sobre o texto, que realmente merece mais e melhores palavras, mas fica mais como um lembrete para quem possa ler e para mim mesma da qualidade do ensaio de Deleuze, e do chamado que ele nos faz para que nos voltemos aos escritos dos dois autores.
*Escolhi a imagem acima para abrir o texto porque o episódio de Judite decapitando Holofernes não saía da minha cabeça - que ironia - enquanto lia Masoch.
"(...)pode-se sempre falar da violência e da crueldade na vida sexual; pode-se sempre mostrar que essa violência ou essa crueldade se combinam com a sexualidade de diversas maneiras; pode-se sempre inventar os meios de passar de uma combinação para outra." (Deleuze, Gilles Apresentação de Sacher-Masoch, trad. José Bastos, p.140)
“Não é só a inércia a responsável pelo fato das relações humanas se repetirem caso após caso indescritivelmente monótonas e viciadas. É a inibição frente a qualquer experiência nova e imprevista com a qual não nos achamos capazes de lidar. Mas só alguém que esteja disposto a qualquer coisa, que não exclua nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com o outro como uma experiência viva” Rilke (Creio que esse é o texto que mais cito).
escrutínio
¦ substantivo masculino
1 processo de votação que utiliza urna
2 urna onde os votos são recolhidos
3 processo de apuração dos votos
4 exame que se faz minuciosamente
Daniel na cova dos leões - Legião Urbana
Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo:
De amargo então o salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
E forte e cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco
Faço nosso o teu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção
Mas tão certo quanto o erro de ser barco a motor
E insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz, quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque não vemos
Alice no País das Maravilhas encontra Lucy in the Sky with Diamonds, Dorothy, Wendy, Poliana. Uma mulher crescida experimenta novas sensações com a novidade que só a infância - e talvez as drogas - podem proporcionar.
Cores e movimento aparecem como elementos de composição no texto de Úrsula Passos. A leitura alcança um novo tipo de experiência visual e, quem sabe, sensorial. Se Björk ainda não tinha sido MOJIFICADA, agora ela recebe um texto de acordo com sua personalidade intrigante."
Para ler:
www.mojobooks.com.br
Talvez o mais difícil quando se termina um relacionamento de longa data não seja parar aquele filminho que passa na mente, play e rewinde, infinitamente, também talvez não seja contornar as lágrimas e ver em frente, talvez, o mais difícil seja voltar a ficar só.
Somos todos sós. Mas num relacionamento, por muitos pequenos instantes, sentimos que somos compreendidos e que fazemos parte de algo comum a duas pessoas. Temos, realmente, alguém que se importa e pensa em nós a cada 2 ou 3 minutos. Num relacionamento você tem a certeza de que pode contar com alguém e parece que alguém entende sua angústia, seu vazio e suas alegrias, pelo menos é o que parece.
É difícil acordar e se acostumar a não perguntar: "dormiu bem?", "que horas você acordou?".
Estar só não obriga satisfações mas às vezes é bom saber que alguém se importa, é bom ser mimado, bajulado.
Sempre preferi a solidão à multidão, porém, depois de muito tempo, me vejo tendo apenas a mim para dividir as coisas.
Preciso voltar a me conhecer, já tinha me esquecido de como eu era, sozinha no quarto, sem telefone na orelha, sem e-mails na caixa todos os dias, sem mensagens no celular, sem mãos para pegar ao atravessar a rua.
"Eu sou um outro".
"O inferno são os outros".
Prazer, esta sou eu!
Shoah
Grande oportunidade, talvez única: ver Shoah na Cinemateca. O documentário de 9 horas foi dividido em 2 dias, sábado e domingo, exibição em DVD com legendas em inglês.
Apesar de um acontecimento raro, poucos foram ver, poucos mesmo, cerca de 10 pessoas, no sábado, no domingo eu compareci.
A idéia do filme, o "conceito" é interessante e intrigante: num momento da década de 80 em que os chamados "revisionistas" lançavam teorias de que o Holocausto nazista não foi mais do que uma invenção dos judeus visando compadecimento mundial, Claude Lanzmann resolveu fazer um filme diferente sobre o acontecido da II Guerra. Esqueça "O Pianista", "A lista de Shindler" e todos os outros, Lanzmann parte do princípio de que aquele horror todo não é reconstituível, nem os lugares, nem as pessoas e nem acontecimentos são passíveis de serem reconstruídos, no fundo, ninguém que não viveu aquilo pode entender o que realmente foi. Interessante como essa sempre foi minha opinião sobre qualquer momento histórico, mas enfim.
O filme então se faz de entrevistas com sobreviventes, judeus, alemães, poloneses e imagens dos locais como estão no momento em que foram filmados, no caso, 1985. O resultado é impressionante, muitos, afirmam que a emoção nos toma instantaneamente diante de uma imagem que nos choca e que a emoção nos vai tomando aos poucos através de um relato de tal imagem ou ação. Bom, todo filme, todo cinema é um relato, por mais realista que seja, você não está num deserto, numa tribo africana e nem em Aushwitz de verdade, assim, Shoah se constituiria então como um relato de um relato. A cena da sopa de O Pianista nos dá sensações, assim como a garotinha de vermelho de A Lista, só para falar dos mais recentes e famosos filmes sobre o tema, mas com certeza podemos citar mais de 50 filmes que tratam do assunto.
As falas, porém, dos sobreviventes no documentário, realmente nos atinge aos poucos, mas o fato é que depois de 2 horas aquilo já está surtindo um efeito catastrófico e ao cabo de 4 horas do primeiro dia eu já não podia mais com aquilo tudo. Fui para casa tentando decidir se voltaria no dia seguinte, passei a manhã toda do domingo pensando na mesma decisão e acabei decidindo ficar em casa, por fraqueza mesmo, eu confesso: não agüentaria.
A tese do filme está mais do que provada, não precisamos de um cenário que evoque os campos de concentração, de personagens construídas a partir de um real, o real, ali, diante das câmeras, mesmo que depois de 30,40 anos é o real e suas falas, mesmo que sejam apenas falas, que vêem perdendo sentido num mundo dominado pelas imagens, são mais significativas, suas descrições mexem com o que de mais humano existe em nós e a pergunta não se cala: como foi possível?
O diretor arranca confissões incríveis de oficiais alemães e vizinhos poloneses dos campos, coisas de se ficar boquiaberta, com duas ou três perguntas se faz todo um diagnóstico das relações entre aquelas pessoas naquela época determinada, e a pergunta continua sem se calar.
Não sejamos cegos o bastante para ignorar que não só judeus foram mortos nos campos, apesar de não haver muitos filmes, canções, museus para eles, ciganos, homossexuais e negros também morreram e não só os nazistas tiveram seus campos, os soviéticos, os chineses, aliás, vale a pena ver Balzac e a Costureirinha chinesa para entender outros caminhos do autoritarismo. Sim, muitos outros, de muitas classes sociais, religiões, orientações sexuais e ideológicas morreram, em muitos outros holocaustos. Mas a pergunta ainda assim não se calou.
Antes do Pôr-do-Sol
O que é um desconhecido se no fundo no fundo todos são desconhecidos? Nove anos atrás eles não se conheciam de tudo, em Antes do Amanhecer e se apaixonaram e viveram intensamente uma noite e falaram sem parar e quando pararam aproveitaram e se despediram e...
Nove anos mais tarde se reencontraram e saíram para tomar um café e passearam por Paris e tomaram um barco e não pararam de falar um segundo e ela se confessa fraca como todos nós e apaixonada e o filme vai acabando e ela canta uma canção de amor e ele vai perder o avião de volta para casa e ...